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Tri na Copa de 70 completa 50 anos como 'conquista entre amigos'

Apoio dos mexicanos e bom ambiente foram determinantes para o título, conforme lembra Piazza, que conta histórias daquela Copa inesquecível

Futebol|Eugenio Goussinsky, do R7

Pelé e Jairzinho vibram no jogo final contra a Itália
Pelé e Jairzinho vibram no jogo final contra a Itália Pelé e Jairzinho vibram no jogo final contra a Itália

Imagine a maior conquista do futebol em todos os tempos como uma explosão cósmica. As partículas se multiplicam, flutuam e vão se espalhando. Até caírem na superfície terrestre, deixando seu brilho dourado, como a camisa da seleção brasileira, impregnado em cada local. A vítória do Brasil na Copa do Mundo de 1970, no México, que neste dia 21 completa 50 anos, é assim. O capítulo final foi a fantástica vitória por 4 a 1 sobre a Itália, na Cidade do México.

O feito tem um brilho tal que reluz onde qualquer um dos participantes daquela conquista do tricampeonato mundial estiver.

Até no meio do mato, na isolada Conceição do Pará, em Minas Gerais. É lá que, aos 77 anos, Wilson Piazza, um dos líderes e símbolo da versatilidade daquela seleção brasileira, passa a quarentena.

No início deste ano, nem nos idos da juventude ele imaginaria estar ali, testemunhando o mundo mudar abruptamente por causa de uma pandemia. Assim como não imaginava que, pouco mais de um mês antes daquela Copa, ele seria deslocado da posição de volante para a quarta-zaga.

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E se firmaria, na nova posição, como uma das referências de um time que, por ter mudado a história do futebol, contribuiu de alguma maneira para uma mudança do país, principalmente nos aspectos esportivo e cultural.

Carlos Alberto ergue a taça e Piazza observa
Carlos Alberto ergue a taça e Piazza observa Carlos Alberto ergue a taça e Piazza observa

Ao R7, Piazza fala que o silêncio e a tranquilidade do sítio onde tem vivido, o ajudam a ver o passado com um olhar mais amplo. Ele percebe que várias situações acabam se interligando. O clássico entre Cruzeiro e Atlético-MG, em 1967, por exemplo, foi determinante para Piazza se tornar zagueiro na seleção, atuando ao lado de Brito, mesmo sendo a única vez que ele jogou naquela posição.

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"Aquele clássico foi o mais emocionante para mim jogando por um clube. O Tostão saiu machucado no início do jogo. Entrou o Zé Carlos, volante. E depois o zagueiro Procópio foi expulso. Acabei indo de volante para a posição de quarto-zagueiro. Deu certo. Armei o jogo lá de trás, tanto que o Lacy, do Atlético-MG, reclamou falando que era para me marcar. Perdíamos por 3 a 0 até os 15 do segundo tempo e conseguimos empatar. Marquei o terceiro, de pênalti. No fim, o Zé Carlos quase faz o quarto, cobrando no travessão", lembra.

O Cruzeiro, que naquela antepenúltima rodada do Mineiro estava cinco pontos atrás do Atlético-MG, conseguiu, no fim do campeonato, ficar com o título. O Mineirão havia sido inaugurado recentemente e, conforme lembra Piazza, definiu a entrada dos grandes do Estado no cenário futebolístico do país, antes monopolizado pelo eixo Rio-SP.

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"O Rio Grande do Sul também começava a ser incluído, com o surgimento de estádios como o Beira-Rio. Eu, o Everaldo (do Grêmio) e o Tostão, por exemplo, ganhamos mais força para chegarmos à seleção", diz.

Mudança pelo olhar

E a experiência do clássico mineiro ficou guardada no inconsciente de Piazza e de Zé Carlos (que acabou não indo para a Copa) quando, em um treino da seleção, com portões abertos no Maracanã, o zagueiro Baldocchi se machucou. Foi substituído por Zé Carlos que, assim que entrou, percebeu que o olhar de Piazza indicava que era para ele ficar no meio.

"A torcida encheu o estádio naquele dia. Quando o Zé entrou, só pelo olhar já mostrei a ele que eu iria para a zaga. E ele, que vivenciou aquela situação anos antes comigo, entendeu. Depois falei categoricamente: 'Fica aí que vou de quarto-zagueiro'. Não sei o que o Zagallo falou para ele, só sei que, com todos os méritos do nosso técnico, fui eu quem tomei a iniciativa de ir para a zaga. O Zagallo acabou gostando e, no jogo seguinte, conversou comigo me perguntando se eu toparia ficar por lá. Tínhamos diálogo com ele. Aceitei porque, na seleção, estar entre os 22 é o primeiro passo e, depois, o segundo objetivo é encontrar uma vaga, com lealdade", conta Piazza.

A adaptação à posição veio com a necessidade. Zagallo quis testar Clodoaldo como volante, deslocou Piazza, que nos tempos do técnico anterior, João Saldanha, era o capitão, e iniciou a Copa mantendo também preocupações defensivas. A imagem de que a defesa era a parte frágil do time está mais para lenda do que realidade, conforme atesta Piazza.

"Que nada! Ficou a imagem de que o time só funcionava do meio para a frente porque o brasileiro é peladeiro por origem. Vê muito o ataque, o cara que vai para cima, o fazedor de gols. Mas naquela seleção a defesa foi muito importante. Primeiro porque iniciava as jogadas. E depois, porque permitiu a movimentação do time na frente. Zagallo optou pelo Everaldo, em lugar de Marco Antônio, que era mais técnico, na esquerda. E o Carlos Alberto só subia na boa. Isso deu estrutura ao time. Na Copa de 82, por exemplo, o Telê deixou os laterais soltos, com um meio-campo ofensivo e, mesmo ele sendo um excelente técnico, não foi feliz contra a Itália", compara.

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Seleção, para Piazza, é jogar com a alma. É deixar o talento à disposição, fluindo com humildade. Algo que não acontece muito hoje em dia, conforme ele conta. Por causa do comportamento dos jogadores atuais, celebridades das redes sociais.

"No nosso tempo, parávamos para dar autógrafos, abraços. Hoje, sei que há essa questão da segurança, mas isso não acontece. O jogador passa muitas vezes sem dar um aceno. E na hora que precisar do apoio do torcedor da seleção não vai ter. Fazíamos tanto isso que até os mexicanos nos adotaram como seleção da razão deles. Porque a do coração, que era a do México, eles sabiam que não ia ganhar. E aquele apoio que tivemos foi fundamental para a nossa conquista. Nunca me esquecerei", comenta.

Como ex-capitão da equipe, ele acompanhou a transição de João Saldanha para Zagallo, que assumiu em março de 1970. O Brasil vivia a ditadura militar. Um bom resultado da seleção se encaixava aos interesses do governo. Mas, independentemente desta questão, Piazza garante que não houve interferência de fora no trabalho do grupo.

"Havia militares na delegação, mas nunca houve qualquer influência política, nenhum pedido chegou até nós, nada. O time entrava em campo pensando somente em jogar futebol", afirma.

Da varanda, os companheiros

Da Copa, o jogo que ele lembra como o mais difícil foi contra a Inglaterra, em Guadalajara, onde o Brasil jogou todas as partidas até chegar à final. O Brasil venceu por 1 a 0, com gol de Jairzinho, após Tostão entrar na área driblando, tocar de direita para o Rei Pelé, e ele, com frieza, só rolar para o chute certeiro do atacante.

"Foi nosso teste mais duro, eram os campeões mundiais. Não vou dizer que tremi, mas me preocupei. Não era zagueiro, sabia que não tinha como vencer disputas com jogadores mais altos. Percebi naquele momento a importância de não se marcar a bola, e sim o jogador. E meu senso de colocação me ajudou a me manter firme. Era uma posição na qual eu corria muito menos do que de volante. Tinha jogo que eu até ficava impressionado: 'Quase nem suei, minha camisa está seca!', dizia para mim mesmo", lembra.

Piazza demonstra um desejo grande de contar as histórias de sua carreira, coroada por aquele título, que deu a posse definitiva da Taça Jules Rimet. São em grande parte a essência da sua vida. Que mostram ainda mais força no isolamento, quando ele tem poucas pessoas com quem falar. O jeito então é observar a paisagem campestre. Conversar com o tempo.

Uma campanha assim fica impregnada para sempre. Acompanha dia a dia. Da varanda do sítio, Piazza vê o curió voando sobre as copas e se lembra do Rivellino, o "Curió das Laranjeiras". Depara-se com um papagaio, o Gérson, pousando na mureta.

Um gato cruza a frente da casa em passos rápidos, como Félix. Lá do campo, ao lado da plantação, um galope distante remete à corrida do "cavalo" Brito, o melhor preparo daquela Copa. Então Piazza ouve o latido de um cão, de orelhas antenadas e olhar efusivo que mais lembra um velho lobo.

"Éramos companheiros, não tinha rivalidade desleal. Havia muita amizade e respeito. Aquele ambiente também contribuiu para o título. E nos deixou ligados para sempre, de alguma maneira".

É o tal do brilho da conquista, que, como um laço invisível, une seus participantes até hoje. Mesmo que se encontrem apenas ocasionalmente. Ou nem se falem mais.

"Jogar na seleção, para cada um de nós, era como ser um soldado da pátria, atuando com o futebol. Era por nós e pelo nosso país. Acho que passamos uma mensagem saudável de patriotismo", finaliza.

O que foi feito está feito. Foi desenhado passe a passe. Lance a lance. De conversa em conversa. Do grito ao choro. Da bronca ao afago. Do erro ao acerto. Da certeza dentro da incerteza. Do calor e do suor. Do pulsar de cada coração. Brasil 4 x 1 Tchecoslováquia. Brasil 1 x 0 Inglaterra. Brasil 3 x 2 Romênia. Brasil 4 x 2 Peru. Brasil 3 x 1 Uruguai. Brasil 4 x 1 Itália. Brasil tricampeão.

E aquela corrente para frente, que surgiu de repente naquele famoso refrão, de certa maneira continua a existir, desde aquele longínquo mês de junho. Construída pelo povo, a contemplar tudo como algo épico. Assim como o mundo inteiro. Mas era só impressão. Aquele time jogou apenas o que sabia. Algo simples, para aqueles craques. Ainda mais, estando entre amigos.

Piazza foi um dos líderes e símbolo da versatilidade daquela seleção brasileira
Piazza foi um dos líderes e símbolo da versatilidade daquela seleção brasileira Piazza foi um dos líderes e símbolo da versatilidade daquela seleção brasileira

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