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Abuso no futebol: 'Não existe um jogador que não viu ou viveu'

Ex-goleiro Alê Montrimas foi assediado e hoje promove campanhas

Especiais|Dado Abreu, do R7

Montrimas palestra para garotos da base do Santos
Montrimas palestra para garotos da base do Santos Montrimas palestra para garotos da base do Santos

"Os casos que são denunciados não correspondem nem de perto ao que ocorre na realidade". A visão é do ex-jogador Alê Montrimas, de 36 anos, sobre abuso sexual no futebol. Revelado pela Portuguesa, o goleiro rodou do interior de São Paulo ao futebol europeu e, após encerrar a carreira, passou a promover campanhas sobre o tema em clubes.

Na visão dele, as crianças não entendem o que é assédio e abuso sexual e não sabem evitá-los. "Os abusadores usam do sonho de menino de ser jogador de futebol para abusá-lo", observou.

Autor do livro, "Futebol: Sonho ou Ilusão?", Montrimas conversou com o R7 na semana em que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara acusou a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) de não cumprir o pacto firmado em 2014 pela proteção das crianças e adolescentes no esporte.

R7: De que maneira os abusadores aliciam as suas vítimas?

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Alê Montrimas: Existem três maneiras: a primeira vem de treinadores e diretores, pessoas com cargos que podem dar ou tirar a oportunidade do jovem, que normalmente tem por volta de 13 a 19 anos. Mostrando sua influência dentro do clube e somado ao sonho do garoto, o abusador revela que o favor sexual é a única saída para que a vítima consiga seu espaço no clube. Uma segunda forma de assédio vem de empresários e olheiros que garimpam garotos pelo Brasil para os clubes. Com a promessa de uma vaga na equipe ele ganha a confiança do jogador e dos pais, mas, antes disso, prepara o bote. Leva o garoto para comer uma pizza, faz visitas no hotel em que o jovem se hospedou – já que demoram alguns dias entre o menino chegar na cidade e ir para o clube – e nesse momento o abuso acontece. A criança não está preparada para se defender de tamanha maldade e o criminoso sabe muito bem como conduzir a situação.

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E a terceira forma, qual é?

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São os predadores, como eu costumo chamar, que ficam em volta dos alojamentos dos clubes aproveitando que esses meninos estão longe dos pais e sem dinheiro, mas com o sonho vivo de ser o novo Neymar. Os abusadores têm os seus caminhos para descobrir quem são as vítimas, os lugares que elas frequentam, seus telefones, redes sociais. Então oferecem dinheiro, carona, chuteira, roupas, bebidas, mulheres, em troca de favores sexuais.

Como foi o seu caso?

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Eu joguei durante 20 anos. Em 10 deles eu tentei ser jogador de futebol e nesse período, atuando na base, em clubes que não tinham condições, eu sofri assédio sexual. Porque esses abusadores não estão nos clubes grandes, onde os jogadores ganham R$ 50 mil por mês. Eles estão nas equipes menores, onde o atleta está sem receber, mais vulnerável. Sofri assédio de treinadores, treinadores de goleiros, agentes.

De que maneira você reagiu?

É que eu venho de uma família estruturada, não precisava sustentar meus pais, então esse assédio para mim foi sempre bem resolvido. Mas vi amigos que cediam ao assédio sem saber que estavam sendo abusados. E isso pode acontecer até o jogador ter 21, 22 anos. Não é mais abuso, mas o jogador está se prostituindo por não saber fazer mais nada da vida, porque não se preparou. O futebol não te permite se preparar. 

Por que é tão difícil colocar em prática o pacto firmado pela CBF com a CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes? O que precisa ser feito, de imediato, para coibir novos abusos?

O presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (Sapesp), Rinaldo Martorelli, se reuniu com o presidente da CBF [Marco Polo Del Nero] para que possamos fazer uma campanha #chegadeabuso, de prevenção, com informações sobre o assédio e abuso sexual no futebol. Esta campanha já está sendo realizada nos clubes paulistas e pretendemos levá-la também aos clubes filiados à CBF. Mas para isso precisamos de apoio financeiro.

"Assédio e abuso sexual no futebol estão muito mais presentes do que os números mostram".

(Alê Montrimas, ex-goleiro)

Você tem esperança de que esse triste cenário mude?

Honestamente, hoje não está sendo feito nada além da minha campanha. Zero. Pelo que me parece isso não é uma prioridade da CBF, mas espero que isso mude e a entidade comece a agir e tratar esse assunto como ele merece. Eu participei da audiência na Câmara e saí de lá extremamente decepcionado. Imaginava que alguma coisa estivesse sendo feito, ou houvesse algo em vista, e não foi o que aconteceu. Pelo contrário. Não teve nenhuma solução real. Não vi nenhuma luz no fim do túnel. Só uma cobrança sobre a CBF, que se não cumprir não terá problema nenhum, porque não é lei, apenas um pacto. O único órgão hoje que está fazendo alguma coisa e colocando a cara para bater é o Sapesp.

Na sua opinião, quem são os responsáveis: clubes, federações ou CBF?

Todos os citados, incluindo os pais. Além disso precisamos ressaltar a condição financeira ruim da grande maioria dos garotos e a dificuldade que é se tornar jogador de futebol no Brasil. Assédio e abuso sexual no futebol estão muito mais presentes do que os números mostram. Não existe um jogador de futebol que não viu ou passou por isso nas categorias de base. Nenhum.

SERVIÇO: Casos de violência sexual contra crianças e adolescentes podem ser denunciados pelo Disque 100 e pelo aplicativo "Proteja Brasil", gratuito para tablets e smartphones. O aplicativo facilita a localização de números e locais mais próximos para fazer denúncia, como delegacias e conselhos tutelares.

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