Iranianos divergem sobre direitos civis após experiência na Copa 2022
Mulheres, proibidas de frequentar estádios por lá, não creem em revolução; homens falam em novo comportamento no país
Copa do Mundo|André Avelar, do R7, em Doha, no Catar
O Irã disse adeus à Copa na noite da última terça-feira (29), no estádio Al Thumama, em Doha, no Catar. A partida contra os Estados Unidos foi um confronto esportivo, político e também social para o país. Iranianos presentes nas arquibancadas discordaram sobre a possibilidade de mudanças internas e conquistas de direitos civis para as mulheres após a experiência no Mundial.
Naquele país, por exemplo, sob o regime do líder xiita Ali Khamenei, as mulheres são proibidas de frequentar os estádios, não podem viajar livremente e devem se cobrir da cabeça aos pés, por um rigoroso código de vestimenta. O regime está vigente desde a Revolução Islâmica de 1979.
Em uma caminhada ao redor do moderno estádio, com capacidade para 44,4 mil pessoas, construído especialmente para o Mundial, é possível ver carros de luxo com bandeiras do Irã parados no estacionamento e mulheres com filhos pequenos que passeiam de mãos dadas pelo florido bulevar. Duas voluntárias da organizam se limitaram a dizer que “isso é comum nos estádios no mundo árabe”. Os maridos torcem nas arquibancadas, mas as esposas ficam do lado de fora. Não se sabe se por desinteresse ou falta desses direitos civis.
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Vestida com uma camisa do Irã, com peruca nas cores do país e ao lado do marido, Milad Sowid, a torcedora Athena Shoja quis aproveitar a oportunidade de ver uma Copa do Mundo perto de casa.
“Não acredito que as coisas mudem por lá. É só um jogo de futebol. Temos problemas internos muito maiores. Você já foi ao Irã? Não recomendo”, disse Athena, que morou na Inglaterra.
Atualmente, o regime iraniano tem reprimido brutalmente protestos no país. Mulheres foram às ruas, e muitas delas tiraram o hijab, o véu que cobre a cabeça, como forma de manifestação contra a prisão e a morte de Mahsa Amini. A jovem havia quebrado o código de conduta em favor da liberdade, foi atingida por um cassetete policial e morreu no hospital. Atualmente, manifestantes têm sido agredidas, presas e condenadas à morte.
Outros inúmeros entrevistados no Al Thumama, sobretudo homens acompanhados de mulheres de burca, não quiseram conversar com a imprensa, com a desculpa, em inglês, de que não sabiam falar inglês. Em um grupo, nos corredores do estádio, entre um fatayer e outro, dois homens disseram que a Copa "já havia mudado" as coisas em seu país. Mas foi só.
A família Sowid é da Palestina e fixou residência no Catar. Para eles, o país acolhe bem gente do mundo inteiro, como disse o jovem Hani, acompanhado do irmão Kareem e da tia Nesreen Quffa.
“Acredito que as pessoas criticam o Catar e os árabes por conta de alguns países daqui não estarem alinhados com muitas das agendas do Ocidente. Por isso a gente prefere o Irã aos Estados Unidos. Muito se fala sobre a cultura, mas o Catar é diverso, tem gente de todo o mundo”, disse Kareem.
“Não tenho profundo entendimento sobre essas questões no Irã. Acho difícil, mas vejo que o Catar já mudou com essa Copa do Mundo. Tem que esperar o tempo passar para ver”, completou o garoto, ao lado dos familiares, com a tia com o véu na cabeça.
O Irã terminou a Copa do Mundo na terceira colocação do Grupo C, com três pontos, vindos da vitória contra o País de Gales, o último colocado na chave. Inglaterra (sete pontos) e Estados Unidos (cinco) avançaram para as oitavas de final.
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