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Palavrões, socos, visão tática, talento e personalidade. Rincón: o líder dos líderes do Corinthians

O colombiano, que morreu nesta madrugada, aos 55 anos, teve seu auge no Corinthians campeão do mundo em 2000. Sua liderança, como capitão, foi impressionante. Inesquecível. O maior líder da história do Parque São Jorge

Cosme Rímoli|Do R7 e Cosme Rímoli

Rincón, capitão do histórico time do Corinthians campeão mundial de 2000. Líder inesquecível
Rincón, capitão do histórico time do Corinthians campeão mundial de 2000. Líder inesquecível Rincón, capitão do histórico time do Corinthians campeão mundial de 2000. Líder inesquecível

São Paulo, Brasil

"Ih...Vão começar as porradas. 

"Mas pode vir que, aqui, bateu, levou, Cosme."

E começava a entrevista...

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Rincón era assim, direto, com quem quer que fosse. 

Talvez o jogador de maior personalidade com quem convivi nestes 36 anos de carreira. Por coincidência, o Jornal da Tarde me designou para ser setorista do Palmeiras quando ele chegou da Colômbia, trazido pelo dinheiro da Parmalat, em 1994. Ficou apenas um semestre, como um meia habilidoso, vibrante, lutador, tático.

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Eu ainda estava no clube quando ele voltou, depois da frustrada passagem pelo Napoli e Real Madrid, em 1996. Deixou claro que sofreu racismo e acabou sem chances por encontrar elencos fechados, "panelinhas" formadas.

Fui para o Corinthians justo no ano em que Rincón desembarcou no Parque São Jorge, transformado por Vanderlei Luxemburgo em um dos melhores volantes do mundo, entre 1997 e 2000.

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Não foi capitão do primeiro título mundial em 2000 por acaso. 

Era o líder absoluto do elenco.

"Comigo não tem frescura. Se é para cobrar o senhor Marcelinho que está fazendo gracinha, vou cobrar. Se o Ricardinho prende a bola, demora para passar, vai ouvir. E o Edilson vai fazer palhaçada lá com suas negas. Aqui não! E o Vampeta que corra.

"Aqui é o Corinthians, estou aqui para ganhar, para ser campeão. Farra? Só depois, com a taça na mão."

Tive a sorte de ver o auge de Freddy Rincón.

Foi no Corinthians que ele se descobriu. Percebeu o grupo maravilhoso que Vanderlei Luxemburgo, que estava interessado apenas em futebol, montou no Parque São Jorge. 

Rincón chegou ao Palmeiras graças ao dinheiro da Parmalat. Mero trampolim para a Europa
Rincón chegou ao Palmeiras graças ao dinheiro da Parmalat. Mero trampolim para a Europa Rincón chegou ao Palmeiras graças ao dinheiro da Parmalat. Mero trampolim para a Europa

Eram outros tempos, quando não havia assessores de imprensa que impediam o acesso direto do jornalista aos jogadores. Se o atleta queria falar, ele se expunha, sem medo. Se não quisesse, muitas vezes falava um palavrão e virava as costas. Mas tudo era verdadeiro.

Foi assim no Palmeiras e, principalmente, no Corinthians. Era normal ele puxar para o lado do gramado Luxemburgo, e depois Oswaldinho, técnico campeão mundial. Em pleno treinamento, ele deixava claro que não concordava com a movimentação tática do time. E era ouvido. Os treinadores testavam as mudanças propostas por Rincón. 

Os outros jogadores o respeitavam por dois motivos. Primeiro: sabiam de sua visão tática privilegiada. Segundo, ele se impunha, se necessário, até pela força física. 1m88 de puro músculo. Quando se exaltava, as veias apareciam na testa e o olhos saltavam.

Como os treinamentos eram totalmente abertos aos poucos jornalistas, antes da internet, muitas vezes foi assustadoramente divertido acompanhar Rincón xingar seu alvo predileto: Edílson.

"Toca essa bola, filho da ... Edíííííííílsooooooon, faz o gol, não tenta driblar o goleiro, porra..."

E Edílson muitas vezes não deixava para lá. E xingava de volta. 

Rincón só mostrava a palma das mãos. Era certeza que iria ter confusão nos vestiários.

Trocou socos assumidos com Edílson e Marcelinho. 

Rincón era muito respeitado no complicado elenco do Corinthians: Marcelinho, Edílson, Luizão...
Rincón era muito respeitado no complicado elenco do Corinthians: Marcelinho, Edílson, Luizão... Rincón era muito respeitado no complicado elenco do Corinthians: Marcelinho, Edílson, Luizão...

Com elenco que tinha Dida, Adilson, Fábio Luciano, Kléber, Vampeta, Ricardinho e Marcelinho, Luizão só havia um meio de a convivência voltar ao normal.

Vencer.

E aquele elenco vencia.

Rincón conquistou dois Brasileiros, o de 1998 e o de 1999. O Paulista de 1999. E o Mundial de 2000, com o Corinthians.

Na campanha inesquecível no Mundial, ele foi muito mais o treinador da equipe do que Oswaldo de Oliveira. Cansou de posicionar os companheiros durante os jogos. Eles ouviam seus gritos, seus palavrões, e acatavam. Sabiam que era melhor para o time.

Tanto que foi o mais celebrado, depois da conquista do título, no Maracanã.

Ele cometeu o maior erro de sua carreira duas semanas após a conquista.

Foi para o Santos.

"Tinha de ir, os caras [dirigentes] do Corinthians não me valorizavam. A proposta do Santos é ótima. Vamos montar um grande time", ele me disse, na época.

A briga no Corinthians era porque seu salário era em dólar e a moeda norte-americana não parava de subir. No Santos, a promessa de grande time jamais foi cumprida. Seus salários começaram a atrasar. 

Foi para o Cruzeiro, em 2001, em uma equipe de veteranos, foi mal. 

Voltou ao Corinthians, com 37 anos, sem o mesmo vigor físico. Não rendeu. Foi parando e se aposentou em 2004, sem alarde, a festa de despedida que merecia.

Tentou ser treinador, mas não tinha paciência de ensinar, de lidar com os dirigentes, de se explicar para a imprensa.

Depois eu voltaria a ter contato com Rincón em uma situação muito delicada.

A sua prisão, acusado de tráfico.

Fui o primeiro jornalista a falar com ele depois que saiu da cadeia, inocentado.

Sua morte, nesta madrugada, foi um choque para mim.

Como jornalista, repito, foi o jogador de personalidade mais forte com quem convivi.

A imagem inesquecível de Rincón
A imagem inesquecível de Rincón A imagem inesquecível de Rincón

E acompanhei em coberturas longas, com acesso livre, Edmundo, Djalminha, Romário, Dunga, Cafu, Ronaldo, Roberto Carlos, Marcelinho Carioca, Neto, Raí, Rogério Ceni e outros, até o início dos anos 2000, quando os assessores de imprensa pasteurizaram as entrevistas, transformaram os jogadores em fantoches, que não podem se expressar de verdade. 

Rincón nunca precisou de filtro, de media training. Ele se posicionava quando seu time era campeão do mundo, ou estava em crise, acumulando derrotas. Não tinha medo.

Era um líder de verdade.

Eu o encontrei poucas vezes depois que parou.

Mas ele sempre sorria. 

E me avisava.

"Pode vir para a porrada, Cosme.

"Vai ter de volta..."

Descanse em paz, Rincón.

Foi um privilégio ter convivido com você...

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Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.

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