Ketleyn, a porta-bandeira, e Bruninho, o mestre-sala do Brasil
Júlio César Guimarães/COBUma evolução evidentemente natural. Na História dos Jogos Olímpicos, cada Cerimônia de Abertura tenta ao máximo sobrepujar a anterior. Dizia um caro amigo siciliano, Leonardo Regazzoni (1944-1986), um irmão de alma, que o evento lhe sugeria um desfile de Carnaval no qual as Escolas se sucediam de quatro em quatro anos. Bem, agora, cinco anos, pois a impiedosa Covid-19 provocou a transferência, de 2020 para 2021, dos Jogos da XXXII Olimpíada, em Tóquio, Japão, de festa exibida ao mundo, via TV, nesta sexta 23 de Julho.
O interior do Estádio Olímpico
LaurenteGillieron/EFE/EPAPior, como a Covid-19 ainda não deixou a Humanidade em paz, o evento, programado para o Estádio Olímpico de Tóquio, ao invés de majestoso não passou de chinfrim. Um estádio de 68.000 lugares que custou o equivalente a R$ 6.357.960.000,00, inaugurado em 21 de Dezembro de 2019, tristemente só abrigou dignitários, convidados, voluntários, a Mídia e um punhado de ralos integrantes das próprias contendoras. Além disso, houve um trio de impactos de fato dramáticos que praticamente desmembraram a sua cúpula criativa,
Naomi Watanabe
FacebookEm Março, por exemplo, partiu Hiroshi Sasaki, o diretor artístico também da Cerimônia de Encerramento, ao comentar que vestiria com uma fantasia de porquinha a atriz Naomi Watanabe, uma humorista que se destaca propositadamente pela robustez. Na segunda-feira, dia 19, renunciou Keigo Oyamada, o autor da canção mais importante da trilha sonora, denunciado pelo abominável crime de assediar colegas deficientes nos idos de escola. Enfim, na quarta, 21, o Comitê Local demitiu Kentaro Kobayashi, o diretor-geral, porque se descobriu que, em 1996, num show de graça suposta, deletéria, ameaçou colocar fogo em enormes bonecos de papel apenas, patético, “para brincar de Holocausto”.
O desfile improvisado dos brasileiros, na Vila Olímpica
ChristianDawes/COBParalelamente, e não menos significativo, o desfile não teve a platéia que lhe impõe uma vibração indispensável. Sem dizer que inúmeras das delegações previstas, outra vez 206, depois que a Guiné desistiu de desistir, apenas participaram com representações singelas. O Brasil, por exemplo, engenhosamente soube agregar os seus atletas ao realizar um desfile emocionante, dentro dos espaços da Vila Olímpica, e então levou ao estádio só quatro pessoas. Além de Joyce Ardies, uma oficial-de-ligação, e de Marco La Porta Jr., o Chefe de Missão, obrigado por protocolo a comparecer, seus dois porta-bandeiras: a judoca Ketleyn Quadros, primeira garota a ganhar medalha individual para o País, Pequim/2008; e o voleibolista Bruninho Mossa Rezende, de uma enciclopédica estirpe de esportistas.
Vera Mossa e Bruninho, em 2011
ReproduçãoSeus avós maternos, Maria Helena Bonetti e Carlos Luiz Mossa, fulguraram no Vôlei e no Atletismo. Carlos Luiz deteve o recorde brasileiro dos 110 com Barreiras por 22 anos. E os seus progenitores, Vera Mossa e Bernardinho, também do Vôlei, juntos somaram dez passagens pelos Jogos. Ela, aos 16 de idade, foi a mais jovem convocada a uma seleção do Brasil. E ele, além de uma prata como levantador em Los Angeles/84, acumulou mais sete como treinador, inclusive ouros em Atenas/2004 e no Rio/2016 – com Bruninho no time titular. Claro, percorrer os 400 metros de uma pista olímpica na apresentação do pendão da sua pátria é uma soberba e inesquecível homenagem. Um tanto frustrante, todavia, num estádio escandalosamente vazio e sem aquela alegria dos companheiros logo atrás.
Detalhe da Cerimônia de Abertura
@COIAusência de gente à parte, obviamente houve beleza e houve emoção na festa possível, enxutíssima, da forma que conviria na situação, inclusive com o direito a um minuto de silêncio de verdade, um preito às vítimas da pandemia. Impressionou o desfrute ótimo da inteligência artificial, o uso de drones a formarem imagens luminosas no céu da noite. Só que a tecnologia não substitui a alma. E por isso confrangeu o coração testemunhar os atletas de máscaras protetivas e de braços alçados numa saudação a ninguém nas poltronas, pintadas de cores diferentes para que, de longe, simulassem a massa de torcedores. Aqui e ali, nas tribunas, alguém se levantava para aplaudir – um mero enviado político do respectivo governo. Pena. Não existiu o fundamental troar dos espectadores.
O astronauta de Los Angeles/84
ReproduçãoDe certa maneira, um ex-maior espetáculo da Terra. Eu presencio a festa ao vivo, em cores, desde Moscou/1980. Não me esqueço dos cossacos às centenas que brilharam com suas danças naquela ocasião. Ou do astronauta que voou, foguetes às costas, sobre a platéia de Los Angeles. Da disciplina dos jovens que formaram um desenho Yin-Yang em Seul/1988. Da criação do Mar Mediterrâneo em Barcelona/1992, Em Atlanta/1996, inclusive participei, com colegas da Record, da narração da festa encantada por um personagem inolvidável, o ginasta esloveno Leon Stukelj, 97 anos, cinco medalhas com a ex-Iugoslávia em Paris/24, em Amsterdam/28 e em Berlim/36. Ou pelo tremor angustiante de Muhammad Ali/Cassius Clay, já afetado pelo Mal de Parkinson, ao acender a pira. Ou pelo infarto súbito e chocante que matou Evgeniusz Pietrasik, o chefe da delegação da Polônia, rumo à tribuna de honra.
O véu de Bjork em Atenas/2004
@bjorkspearsFoi mais tocante presenciar a Abertura de Sydney/2000 de fora do estádio, embrulhado por uma imensidão de luzes cintilantes. Foi empolgante e deslumbrante ver, nos Jogos de Atenas/2004, o vestido diáfano da cantora Bjork se desdobrar num véu que cobriu os atletas já acomodados no gramado. Então, em Pequim/2008, além dos fogos de valor estimado em US$ 100mi, a sincronia espetacular de 5.010 suaves bailarinos e de 2.008 percussionistas. Mais, falar o quê da surpresa da descida de paraquedas de uma sósia da Rainha Elizabeth II em Londres/2012? Pois é. E que mimo havia perpetrado o trio Fernando Meirelles/cinema + Daniela Thomas/teatro + Andrucha Waddington/televisão, com a ajuda da preciosa coreógrafa Deborah Colker/dança, para os Jogos do Rio/2016 no Brasil?
O voo do "14-Bis" no Rio/2016
COBGanhou muitíssimo quem aguardou de alma acesa e de coração aberto. Impossível estabelecer destaques num trabalho fantástico até por praticamente não recorrer à facilidade dos efeitos de computação e de inteligência virtual. Bem que Meirelles já havia antecipado: “Será a Abertura do jeitinho, a Abertura da gambiarra”. Com equipamentos mecânicos? Não, tudo exclusivamente movido com as pernas e com os braços, num mosaico multicolorido de truques engenhosérrimos, de homens e de mulheres treinadíssimos, na concepção deliciosa da decolagem do “14 Bis” de Santos Dumont e do seu vôo através da paisagem noturna do Rio, no casamento entre a doçura da Bossa Nova, a ginga do Rap e do Funk, do Samba e dos temas naravilhosos de Villa-Lobos, com o Maracanã inteiro inolvidavelmente a entoar em coro o “Patropi” de Jorge Benjor.
As sementes da "Floresta dos Atletas" que demorou três anos até ser plantada no Rio
COBHouve espaço, até, para uma denúncia da dilapidação do meio-ambiente. Com a tentativa de um grito ansioso de esperança, porém. Cada um dos 11.384 atletas inscritos nos Jogos recebeu um presente fenomenal: uma semente de árvore nativa do Brasil, a ser posteriormente plantada no Parque Radical de Deodoro, na Zona Oeste da cidade. Durante o desfile, depositou a semente num vasinho com terra que se acomodava numa estante especial dentro do gramado e da pista. Posteriormente? Os atletas, eufóricos, cumpriram a sua missão. O posteriormente, porém, durou três anos. Só a partir do dia 10 de Dezembro de 2019 os vasinhos foram de fato transferidos a Deodoro, à espera de que abnegados se dispusessem a enfiá-los no solo. A beleza da idéia soçobrou nesse atraso: presentear o Japão, em 2020, com árvores já viçosas. Mais um fracasso que a gestão de Carlos Arthur Nuzmann, então presidente do COB, posteriormente preso, perpetrou como legado.
A Pira Olímpica, acesa em Tóquio/2020
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