O ex-jogador Pelé morreu nesta quinta-feira (29) após um longo histórico recente de problemas de saúde. O Rei do Futebol, o maior jogador da história e autor de feitos inigualáveis, Edson Arantes do Nascimento, seu nome verdadeiro, foi tricampeão do mundo com a seleção brasileira (1958, 1962 e 1970) e bicampeão do Mundial Interclubes com o Santos (1962 e 1963). Foi também o maior artilheiro da história do futebol, com 1.281 gols em 1.363 partidas.
Se hoje jogadores trocam de clube a cada temporada, Pelé foi um homem de apenas três camisas: do Santos (1956 a 1974), do New York Cosmos (1975 a 1977) e da seleção brasileira (1957 a 1971). Também foi ele quem deu origem à mística da camisa 10.
Pelé chegou à Baixada Santista ainda com 15 anos, franzino mas com infinita habilidade, tanto no pé esquerdo quanto no direito. Conquistou tudo e mais um pouco com a camisa do Peixe e, sem nenhum exagero, encantou o mundo. As condições da época fizeram com que o jogador permanecesse atuando por um time brasileiro em vez de se render ao mercado europeu, algo inimaginável nos tempos atuais.
Só anos mais tarde, após ter encerrado a carreira pela primeira vez, Pelé aceitou o desafio de desenvolver o futebol nos Estados Unidos e foi transferido para o Cosmos, de Nova York. Não demorou muito e arrastou para lá outros craques da bola que divertiam um público antes acostumado ao futebol da bola oval, o futebol americano. Sem nunca perder a majestade, o Rei aposentou suas chuteiras, de forma definitiva, por lá mesmo e passou então a ser um embaixador mundial do esporte.
Pelé para sempre será sinônimo de seleção brasileira, ainda que essa por vezes seja maltratada em escândalos de corrupação ou Mundiais perdidos. Foi uma vida inteira dedicada à camisa verde-amarela: jogou quatro Copas do Mundo (1958, 1962, 1966 e 1970), tendo disputado 114 jogos e marcado 95 gols. Mas, mais do que isso, trouxe a imortalidade da camisa 10. O número às costas já indica que dali se espera ao menos alguns lampejos de craque.
Edson nasceu em 23 de outubro de 1940, em Três Corações (MG), e foi morar em Bauru (SP) logo aos 5 anos. O nome foi uma homenagem dos pais, Celeste Arantes e João Ramos do Nascimento, o Dondinho, ao inventor da lâmpada elétrica, Thomas Edison. O apreço especial pela bola levou o garoto, então conhecido apenas como Dico, a se dedicar ao futebol profissional. Ainda criança, atuou pelos pouco lembrados Canto do Rio e BAC (Bauru Atlético Clube).
O apelido Pelé surgiu porque o garoto não conseguia pronunciar direito o nome de seu jogador favorito, o quase esquecido goleiro Bilé, do Vasco.
Ex-jogador do Santos e da seleção brasileira, foi Waldemar de Brito o responsável por levar o menino para o Santos. Para isso, teve que convencer a mãe de Pelé, Celeste, de que o garoto seria bem cuidado no time da Vila Belmiro.
Com 15 anos, Pelé seguiu para o clube com a recomendação de Brito, dada ao técnico Lula, do time profissional, de que aquele garoto ainda seria o melhor jogador do mundo. Uma profecia.
Pelé fez sua estreia no time profissional aos 15 anos, em 7 de setembro de 1956. Num amistoso com o pequeno Corinthians de Santo André, teve um desempenho impressionante e marcou um dos gols da vitória por 7 a 1.
A partir daí, Pelé colecionou façanhas. Foi campeão paulista em 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967, 1968, 1969 e 1973, em seu penúltimo ano com a camisa santista. Também ganhou o Torneio Rio-São Paulo, um dos embriões do atual Campeonato Brasileiro, em 1959, 1963, 1964 e 1966. Pelo Santos, ainda faturou o título da Taça Brasil em 1961, 1962, 1963, 1964 e 1965 e o da Taça de Prata de 1968. Posteriormente, a CBF oficializou esses torneios como equivalentes ao Brasileirão atual.
Pela seleção brasileira, além do tricampeonato mundial, ele ganhou também a Copa Rocca (1957 e 1963), a Taça do Atlântico (1960), a Copa Oswaldo Cruz (1958, 1962 e 1968) e a Taça Bernardo O'Higgins (1959).
Ao contrário do que se pensa, o apelido de Rei do Futebol foi conquistado por Pelé ainda adolescente. Convocado para a Copa do Mundo de 1958, aos 17 anos, o camisa 10 estreou pelo Brasil apenas no terceiro e decisivo jogo, contra a União Soviética. Pelé não marcou, mas teve atuação espetacular na vitória da seleção por 2 a 0.
No jogo seguinte, já foi decisivo, tendo sido o autor do gol da vitória sobre o País de Gales nas quartas de final. Mostrando muito repertório, Pelé conseguiu superar a retranca galesa, levando o Brasil às semifinais.
Na semifinal, foi determinante para o Brasil superar a França, em goleada por 5 a 2. O time francês, que contava com talentos como Kopa e Fontaine, conquistaria o terceiro lugar. O menino não ligou para a pressão e fez dois gols.
Na decisão, contra a Suécia, Pelé foi novamente fundamental para outra goleada: 5 a 2, com mais dois gols dele. Aos 17 anos, menor de idade, o atleta já era campeão do mundo e escolhido pela Fifa como o melhor jovem jogador do Mundial. Por suas excelentes atuações, a imprensa francesa apelidou-o precocemente (e de maneira acertada) de Rei do Futebol.
Na Copa seguinte, disputada no Chile, em 1962, Pelé machucou a virilha logo no segundo jogo do Brasil e não atuou mais naquele Mundial. Seu substituto, Amarildo, apelidado de "O Possesso", acabou ajudando a seleção brasileira a conquistar o bicampeonato.
Quatro anos depois, Pelé chegou à Copa da Inglaterra, aos 25 anos, no auge da forma e já com o status de o maior jogador do mundo da bola. Mas colecionou uma nova frustração. Caçado em campo, sob a tolerância da arbitragem, Pelé disputou apenas dois dos três jogos do Brasil naquela Copa. Atuou com Garrincha na seleção brasileira pela última vez na vitória sobre a Bulgária, por 2 a 0. Com os dois em campo, o Brasil jamais perdeu uma partida.
Mas as derrotas para Portugal e Hungria, ambas por 3 a 1, eliminaram precocemente a seleção brasileira da Copa, do sonho do tricampeonato e da posse definitiva da Taça Jules Rimet, dada ao país que conquistasse três títulos mundiais.
Aos 29 anos, muitos achavam que Pelé estava velho para jogar outra Copa do Mundo. O próprio jogador lamentou, em uma entrevista antes do Mundial, na qual lembrou suas decepções em 1962 e 1966: "Talvez a Copa não seja para mim". Durante a preparação, o então técnico da seleção, João Saldanha, chegou a dizer que o craque sofria de miopia, o que o atrapalharia em campo. Anos depois, Pelé reconheceu que passara pelo problema.
Com a queda de Saldanha, um treinador identificado como opositor à ditadura militar que governava o país, Zagallo assumiu como treinador. E em nenhum momento pôs em dúvida a participação de Pelé na seleção.
Naquela Copa, ao lado de craques como Gérson, Rivellino, Tostão e Jairzinho, Pelé se consagraria com o tricampeonato mundial. Para muitos, o futebol apresentado pela seleção de 1970 fez daquele time o melhor de todos os tempos.
O Brasil foi superando os adversários um a um. Na primeira fase, venceu a Tchecoslováquia na estreia, goleando por 4 a 1, após ter saído em desvantagem. No jogo seguinte, a maior dificuldade da fase inicial: a campeã mundial, a Inglaterra. Com um ataque poderoso, o Brasil avançou a todo momento, mas o gol só surgiu após uma boa jogada de Tostão e um passe para Jairzinho finalizar. O Furacão da Copa terminaria o Mundial tendo marcado gol em todos os jogos do Brasil.
Já classificado, Zagallo optou por dar oportunidade a vários reservas na partida seguinte, contra a Romênia. O Brasil venceu por 3 a 2.
Nas quartas de final, a seleção superaria o Peru, que ostentava sua melhor geração de jogadores, com craques como Cubillas, e era dirigido pelo brasileiro Didi. Nada que fosse páreo para a seleção, que venceu por 4 a 2.
Na semifinal, um adversário tradicional e velha pedra na chuteira da seleção brasileira: o Uruguai. O time celeste saiu na frente, mas o Brasil empatou ainda no primeiro tempo. E virou para 3 a 1 na segunda etapa, com gols de Clodoaldo, Jairzinho e Rivellino.
A final foi contra a Itália. Jogo nervoso no estádio Azteca, na Cidade do México, já que, quem ganhasse, ficaria com a posse definitiva da Taça Jules Rimet. Os italianos também eram bicampeões do mundo (1934 e 1938).
Mas Pelé tratou de afastar a zebra logo aos 18 minutos do primeiro tempo, com uma testada forte de cabeça. Os italianos empataram ainda na etapa inicial, com Boninsegna, aos 37', após uma falha de Clodoaldo.
Aquele time, porém, era perfeito demais para não ficar com a taça. No segundo tempo, o Brasil massacrou os italianos, nitidamente cansados por causa do sol, da altitude e da desgastante semifinal com a Alemanha Ocidental. Gerson, Jairzinho e Carlos Alberto Torres, com o gol mais icônico da história das Copas, fizeram os gols do Brasil na goleada por 4 a 1.
Era a consagração definitiva do Rei do Futebol nos gramados. Não precisaria fazer nada mais que isso para ficar na história.
Pelé fez sua despedida com a camisa da seleção brasileira no ano seguinte, em 18 de julho de 1971, com um Maracanã lotado (138.575 pagantes). Em campo, o Brasil empatou com a então Iugoslávia por 2 a 2.
Três anos depois, Pelé se despediu do Santos, em uma vitória sobre a Ponte Preta por 2 a 0.
Após a decisão de retornar aos gramados para ajudar a desenvolver o futebol nos Estados Unidos, Pelé deu o adeus definitivo à amiga bola em 1977, em um amistoso entre o Cosmos, sua equipe americana, e o Santos. Pelé jogou um tempo em cada clube. O Cosmos venceu o jogo por 2 a 1.
O ex-jogador teve alguns romances midiáticos e se casou três vezes. O Rei foi casado com Rosemeri dos Reis Cholbi, de 1966 a 1982, e o relacionamento gerou três filhos: Kely Cristina, Jennifer e Edson, mais conhecido como Edinho, que foi goleiro do Santos e em 2014 foi condenado a 33 anos de prisão por narcotráfico e lavagem de dinheiro.
De 1994 a 2008, Pelé teve o matrimônio com Assíria Lemos, e o casal teve dois filhos, os gêmeos Joshua e Celeste, gerados após um tratamento de fertilidade. Em 2016, casou-se com Márcia Cibeli Aoki, 33 anos mais jovem.
Pelé também teve várias namoradas de seus períodos de solteiro. O mais famoso relacionamento do ex-jogador foi com a então modelo Xuxa, no início dos anos 1980.
O ex-jogador teve duas filhas fora de casamentos. A mais velha foi Sandra Regina Machado, filha de Anísia Machado, que teve um curto relacionamento com o jogador nos anos 1960. Sandra conseguiu provar a paternidade por meio de um exame de DNA. Os dois, porém, nunca tiveram uma relação de pai e filha. Eleita vereadora em Santos, Sandra morreu em 2006, em decorrência de um câncer de mama.
O Rei do Futebol reconheceu a paternidade de Flávia Kurtz, fruto de um caso extraconjugal em 1968 com a jornalista Lenita Kurtz.
Por conta dos sucessivos problemas de saúde e, também, da falta de mobilidade, as entrevistas de Pelé foram raras nos últimos anos. Em seu aniversário de 80 anos, em outubro de 2020, o Rei do Futebol gravou apenas um depoimento para os veículos de imprensa e agradeceu ao futebol por tudo o que conquistou.
“Agradeço de coração tudo o que eu ganhei na minha carreira”, resumiu Pelé.
Para sempre sinônimo de Copa do Mundo, Pelé foi inúmeras vezes homenageado ao longo da competição no Catar. Nesse período, o Atleta do Século precisou ser internado, mais precisamente em 29 de novembro, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para reavaliação da terapia quimioterápica e tratamento de uma infecção respiratória.
No Oriente Médio, grandes craques, seleções inteiras e torcedores fizeram questão de desejar melhoras ao ídolo do esporte. Alguns dos prédios mais imponentes do mundo árabe também estimavam a pronta recuperação do eterno camisa 10.
Nas oitavas de final, contra a Coreia do Sul, a torcida brasileira estendeu um bandeirão com uma foto de Pelé e, aos 10 minutos de jogo, em referência clara ao número de camisa que usou durante toda a vida, cantou o nome do rei. Na eliminação nas quartas, diante da Croácia, uma carta aberta foi uma das últimas formas de comunicação, já sem mais nenhum vídeo nem foto recente.
"A vida é oportunidade. O que fazemos com ela cabe a cada um de nós. Acertamos e erramos. Na vitória, recebemos a celebração. Na derrota, o aprendizado. A vida sempre é generosa e oferece novos recomeços. A cada dia que passa, iniciamos um novo caminho. E neste ciclo, alimentamos sonhos que nunca morrem, independente dos tropeços da jornada", escreveu Pelé.
Pelé conviveu com rotina de internações nos últimos anos