O Corinthians demorou um dia e meio para entrar em contato com o torcedor Felipe Nascimento Palma Cruz, de 23 anos, que foi o responsável por denunciar à PM (Polícia Militar) que um torcedor argentino do Boca Juniors fazia, diretamente a ele, a imitação de um macaco, na Neo Química Arena, em partida válida pela Copa Libertadores da América. O caso aconteceu na última terça-feira (26), em São Paulo.
Ao procurar o torcedor corintiano, por telefone, o clube paulista afirmou a ele que estava acompanhando o caso com proximidade e que, em nenhum momento, o deixou desamparado. Cruz, no entanto, contestou o que era dito a ele de imediato: "Não deixou desamparado? Só ligaram para mim agora, depois de ter chegado na imprensa. Mantenho tudo o que falei", afirmou na tarde desta quinta-feira (28) à Record TV.
"Tudo o que falei" se refere ao que Cruz disse em reportagem exibida pelo telejornal Fala Brasil, da Record TV, na manhã desta quinta. Com exclusividade, o torcedor corintiano afirmou ter sido tratado "que nem um lixo" e que não recebeu nenhum respaldo do Corinthians.
O Corinthians chegou a oferecer ingressos a Cruz, mas ele recusou a oferta. Um membro da torcida organizada Gaviões da Fiel entrou em contato com a reportagem e também ofereceu ao torcedor corintiano um ingresso para que ele acompanhe, junto dos torcedores organizados, a próxima partida do Corinthians, que será no domingo (1º), contra o Fortaleza, válida pelo Campeonato Brasileiro. Neste caso, ele aceitou o ingresso.
Relembre o caso
De acordo com Cruz, na noite da terça-feira, ele pagou quase R$ 120 em um ingresso para acompanhar o time do coração no setor Leste Inferior, que fica próximo do setor destinado aos visitantes do estádio. Lá, observou o torcedor argentino Leonardo Pozzo, 43 anos, fazendo imitações de macaco e apontando para ele. Naquele momento, outro torcedor corintiano conseguiu flagrar a provocação.
Após Pozzo ser identificado na arquibancada destinada aos torcedores do Boca Juniors, Cruz foi convidado a formalizar denúncia contra ele. Para isso, no entanto, precisava deixar de assistir ao segundo tempo da partida. Ele só acompanhou o segundo gol marcado pelo Corinthians na data com ajuda de um oficial da Polícia Militar.
Na Drade (Delegacia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva), ele afirma ter ficado "com cara de trouxa" quando percebeu que, após a chegada de membros do Consulado da Argentina em São Paulo, a fiança de Pozzo, estabelecida em R$ 3.000, havia sido paga e o argentino que imitou um macaco, liberado. "Ele nem ficou em cela. Pagaram a fiança para ele, e eu fiquei com cara de tacho."
O boletim de ocorrência foi registrado como injúria racial (passível de fiança), e não como racismo (não passível de fiança). De acordo com o delegado Cesar Saad, titular da Drade, existe uma linha tênue entre os dois crimes. Pelo fato de a ação de Pozzo ter atingido diretamente a honra de Cruz, a Polícia Civil entendeu o caso como injúria racial.
Ainda de acordo com Saad, os membros do consulado da Argentina, que pagaram a fiança de Pozzo, pediram desculpa, se mostraram contrários ao que o torcedor fez, mas usaram o artifício de questões humanitárias e de amparo a cidadãos argentinos fora de seu país para liberar o torcedor. O delegado disse, também, que o torcedor não teria condições de pagar os R$ 3.000.
Pozzo é vendedor em Buenos Aires, mas está desempregado no momento. Com duas filhas, ele veio a São Paulo, numa viagem de três dias, de ônibus, apenas com uma pequena bolsa, para acompanhar a partida.
Procurado, o Consulado da Argentina em São Paulo não se manifestou.
Apesar disso, o delegado afirmou que Pozzo continuará sendo processado no Brasil e que enviou oficios à Argentina e à Conmebol para tentar impedir que ele volte a frequentar jogos.
O que diz o Corinthians
Durante esta tarde, o Corinthians divulgou uma nota sobre o assunto (leia abaixo). A Record TV procurou o clube a respeito da negativa do torcedor ao oferecimento dos ingressos, mas, até esta publicação, não obteve retorno. Leia, a seguir, a íntegra da nota divulgada pelo clube:
A respeito da operação realizada na última terça-feira (26) em caso de injúria racial cometida por torcedor do Boca Juniors na Neo Química Arena, o Sport Club Corinthians Paulista esclarece que:
1) O Corinthians acompanhou e monitorou em tempo real toda a situação junto ao comandante do policiamento do jogo. O clube tinha conhecimento de tudo que estava sendo feito junto aos torcedores do Corinthians que, por iniciativa própria, decidiram ajudar e prestar queixa.
2) O Corinthians enviou um advogado ao Jecrim (Juizado Especial Criminal) da Neo Química Arena no momento da ocorrência. Naquele momento, segundo informações da PM, os torcedores acompanhavam a partida na beira do campo enquanto os trâmites necessários eram encaminhados.
3) O advogado do Corinthians verificou que os procedimentos eram conduzidos pela Polícia Militar e que as testemunhas não necessitavam de apoio jurídico – uma vez que eram testemunhas, e não partes acusadas.
4) O prosseguimento do processo foi conduzido pela Polícia Militar. O Corinthians continuou acompanhando os movimentos, em um trabalho conjunto com a PM. Vale ressaltar que o sistema de monitoramento da Neo Química Arena permitiu a identificação do torcedor argentino.
5) Posteriormente, um terceiro torcedor do Corinthians se apresentou e se voluntariou para também ser testemunha. Todos foram, então, ao Departamento de Operações Policiais Estratégicas – este terceiro torcedor, em veículo próprio.
6) Os torcedores receberam todo o amparo ao longo da operação, que o Corinthians acompanhou até o fim, já na madrugada de quarta-feira (27), em contato constante com a PM. Os dois torcedores que primeiro fizeram a denúncia foram levados às suas residências pela Polícia Militar.
7) O Corinthians lamenta que as reportagens já veiculadas sobre o assunto não tenham procurado o clube sobre tudo que foi e será feito com respeito aos três torcedores.