Uma superfície de 83.600km2, menor do que a área de Santa Catarina, perto dos 95.740. Apenas 19 cidades, nas quais se espalham cerca de 9.6mi de pessoas, ou 75% dos habitantes do município de São Paulo. Porém, com uma renda-per-capita anual equivalente a R$ 170.000, quase 85 vezes acima dos R$ 2.050 de São Caetano/SP, a maior do Brasil. Tudo isso numa monarquia hereditária que se divide em sete feudos, os denominados Emirados Árabes Unidos, localizados diante do Golfo Pérsico, entre Omã e a Arábia Saudita, e sobre jazidas absurdamente vastas de petróleo.
Cada um dos sete Emirados – Abu Dhabi, Ajman, Dubai, Fujairah, Ras Al-Khaimah, Sarjah e Umm Al Quwain – tem a sua própria estirpe de comando. Num conjunto, os sete dinastas que compõem um Conselho Federal e escolhem o seu Presidente: desde 3 de Novembro de 2004, Khalifa bin Zayed bin Sultan al Nahyan, hoje 70 de idade e, pelo que consta, a mesma parceira desde 1964 e oito filhos, dois varões e seis mulheres. Os Emirados têm ainda um Primeiro-Ministro, o Xeique Mohammed bin Rashid al Maktoum, 69 de idade e nada menos que seis esposas com quem gerou catorze damas e nove homens. Nas suas eventuais horas vagas, Zayed também exerce a função de Presidente do Al Ain, o clube que, neste dia 22 de Dezembro de 2018, sábado, no estádio de Abu Dhabi que evidentemente ganhou o nome de Zayed, disputará com o Real Madrid o título da Copa do Mundo da FIFA.
Da cidade homônima de Al Ain, com 430.000 habitantes a quarta mais populosa da região de Abu Dhabi, o clube, curiosamente, não teve origens aristocráticas. Nasceu em 1968, fundado por imigrantes do Bahrein e do Sudão, lá instalados em busca dos postos de trabalho que a eclosão da Era do Petróleo subitamente produziu. Encravados na península mais árida e mais seca do planeta, os Emirados, essencialmente dominados por nômades que procuravam a água só encontrável nos múltiplos oásis espalhados desde o Mediterrâneo até as beiras do Oceano Índico, passaram por dois grandes ciclos históricos antes do petróleo. Com a arribada dos lusitanos de Vasco da Gama, no finalzinho do Século XV, se inaugurou o período da “Costa Pirata”, em que funcionava como um entreposto de navegadores. Daí, do fecho do Século XIX à Década de 30, a “Era das Pérolas”, que enriqueceu seus povos até que os japoneses desenvolvessem a técnica inusitada do cultivo artificial.
Então, graças à ingerência dos britânicos, interessados na importância estratégica da península, uma conexão mais acessível entre a Europa Ocidental e o Extremo Oriente, as sete principais tribos de nômades se congregavam sob a denominação de Estados da Trégua, imposta na marra e sob um tratado de “duração eterna”. Quando, na década de 50, a British Petroleum começou a explorar as jazidas terrestres do Irã e do Iraque, e mais as aquáticas do Golfo Pérsico, os líderes das tribos, educados nas universidades da Inglaterra e dos EUA, optaram por formalizar a antiga Trégua na constituição de uma nação nova, enfim una e indivisível.
Pode-se dizer que os integrantes das sete tribos, parentes e contraparentes, ocupam todos os cargos de poder nos Emirados. O Xeique Tahnoon bin Mohammed al Nahyan funciona como o prefeito de Al Ain. A 100 quilômetros do Golfo, junto a uma cadeia de colinas que lhe propicia uma temperatura branda e, inclusive, um razoável regime de chuvas, exibe as plagas mais verdejantes da península inteira, repletas de palmeiras, tamareiras e roseirais que se espraiam nas margens de lagos surpreendentes. Em mero meio século os dignitários de Al Ain presentearam a sua cidade com um aeroporto internacional, dois campos de golfe, duas universidades, três museus, um zoológico, um aquário, o Estádio Hazza bin Zayed para 22.217 pessoas, e um formidável camelódromo para mais outras tantas.
Em tempos idos, havia provas com 50 ou 60 animais, que crianças e pré-adolescentes, praticamente semi-escravos, se incumbiam de montar. Consequência do petróleo e da civilidade que a dinheirama do petróleo acarretou, em 2005 uma lei exigiu a substituição de tais ginetes. Não foi possível encontrar adultos suficientes de tamanho e peso adequados. Sem problemas. Os Emirados bancaram uma pesquisa que levou à criação de mini-jóqueis de circuitos eletrônicos, robôs acionados por controle remoto, sempre vestidos com o fardamento do seu haras respectivo, todos com os seus chicotinhos mecânicos e coordenados pelos técnicos em veículos 4 X 4 que trafegam bem ao lado, em uma pista de asfalto, paralela à pista de areia. Verdadeira loucura: enquanto os camelos sem pilotos batalham para não se atropelar, os veículos tentam não dar trombadas.
Os dinastas igualmente revolucionaram o clube que os imigrantes do Bahrein e do Sudão fundaram em 1968. O seu fanatismo por esportes os compeliu a transformarem uma brincadeira de operários numa potência. Com meio século de existência, o Al Ain, apelidado “The Boss”, ou “O Patrão”, já acumulou 32 troféus, 13 da Liga Pro, que principiou a organizar o seu certame nacional em 1973 e tem 14 times na sua composição. Bem atrás do Al Ain, o Al Wasl e o Al Ahli somam 7 conquistas cada. Já foram treinadores do Al Ain o italiano Walter Zenga, arqueiro da “Azzurra” da Copa de 90, e os brasileiros Alexandre Gallo, Toninho Cerezo e Adenor Tite Bacchi. E já foram seus atletas o chileno Valdívia e os brasileiros Dodô (ex-São Paulo e Santos) e Emerson Sheik.
Cartolagem à parte, com a exceção do seu preparador de arqueiros, o bósnio Miralem Ibrahimovic, todos os dez integrantes da Comissão Técnica do Al Ain provieram da Croácia do ex-volante Zoran Mamic, 47, no cargo desde 30 de Janeiro de 2017. Enorme ironia: condenado, na sua pátria, com o mano Zdravko, a 59 meses de prisão, por ter surrupiado uma grana do Dinamo de Zagreb, o clube que orientou de 2013 a 2016, ele não pode abandonar os Emirados sob o risco de acabar numa cadeia. Não existe, por lá, um tratado de extradição. O elenco do Al Ain, no entanto, é quase integralmente nativo, com a exceção dos volantes egípcios Nader e El Shavat, do apoiador malinês Doumba, do artilheiro sueco Marcus Berg, 42 gols em 43 partidas, e do ala-atacante brasileiro Caio, 24, oriundo de Araçatuba/SP, que se formou no São Paulo, se mudou ao Japão em 2011, e se alojou nos Emirados em 2016.
O Al Ain só amealhou a sua vaga na Copa do Mundo da FIFA por ser o campeão-representante do país-sede. Até desembarcar na decisão contra o Real Madrid, superou o Wellington da Nova Zelândia (3 X 3 no tempo normal e 0 X 0 na prorrogação, 4 X 3 nos penais), o Esperança da Tunísia/África (3 X 0) e, surpresa, impacto, o River Plate da Argentina (2 X 2, 0 X 0 e 5 X 4). Esta, em 2018, é a quarta edição da Copa nos Emirados. Em 2009, o laurel ficou com o Barcelona. Em 2010, com o Internacional de Porto Alegre. E, em 2017, com o Real. “Os Merengues” agora completam a sua quarta participação na competição. Na edição inaugural, em 2000, no Rio, tombaram diante do Corinthians, enfim o campeão, numa das semis. Daí, arrebataram o troféu em 2014 (no Marrocos, 2 X 0 sobre o San Lorenzo da Argentina), em 2016 (no Japão, 4 X 2 sobre o Kashima Antlers local, prorrogação), e em 2017 (nos Emirados, 1 X 0 sobre o Grêmio dc Porto Alegre). O Al Ain faz a sua estreia no Futebol universal e na história da Copa da FIFA.
Gostou? Clique em “Compartilhar”, em “Tweetar”, ou deixe a sua opinião em “Comentários”. Muito obrigado. E um grande abraço!