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EUA e Brasil, Beisebol e Futebol, a epopeia dos afro-treinadores

Nos dois esportes mais populares de ambos os países, a síntese histórica da dificuldade de os negros assumirem as principais posições de comando

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Frank Robinson
Frank Robinson Frank Robinson

Em toda a longa história do Beisebol profissional, uma bela aventura inaugurada, nos Estados Unidos, em 1871, apenas no dia 8 de Abril de 1974, exatos 46 anos atrás, um descendente de afro-americanos assumiu o posto de “manager”, o líder da comissão técnica de uma equipe. Aconteceu com Frank Robinson (1935-2019), que já era o craque maior dos Cleveland Indians. E que ainda seria entronizado no Hall da Fama em 1982, com a maravilha de 89% dos votos, logo na primeira votação. Curiosidade, nenhum parentesco com o Jackie Robinson (1919-1972), que fora o primeiro atleta a bater o racismo e estrear com os Brooklyn Dodgers em 15 de Abril de 1947. Naqueles idos, os afro-americanos que desejassem jogar Beisebol, mesmo os absolutamente extraordinários, eram confinados numa marginalizada “Negro League”.

Jackie Robinson
Jackie Robinson Jackie Robinson

Sem dúvida o esporte mais popular dos EUA, o Beisebol acabaria por sucumbir à força da realidade. Basicamente no período intermediário dos grandes feitos de ambos os Robinsons, por volta da década de 60, como a inexorável importação de astros latinos e das nações do Caribe e da América Central, os afro-descendentes se espraiaram por todos os clubes da “Major League”. Paralelamente, a luta em favor dos Direitos Civis das chamadas “minorias não brancas” inclusive levou a importantes revoluções legais. Em 1999, por exemplo, graças a uma norma baixada por Bud Selig, o cartola-mor da MLB, se tornou compulsório que, ao caçarem talentos para as posições de comando de suas agremiações, os donos agregassem aos candidatos, ao menos, um representante ostensivo dessas, perdão, “minorias”.

Bud Selig
Bud Selig Bud Selig

Pena que nenhuma regra, sozinha, possa alterar o passado ou modificar de um gole as amarras das tradições. Numa relação inaugurada em 1871 e atualizada até 2019, visto que a temporada de 2020 permanece uma triste incógnita, o importantíssimo guia “Baseball Reference” aponta 721 homens que conseguiram chegar à posição de “manager” – somente 51, porém, afro-americanos. E todos, é lógico, desde Frank Robinson. Mais significativo, ainda, apenas 27 jogadores que se tornaram treinadores. Dos 27, meros 17 se fixaram no cargo, enquanto os outros ficaram como interinos. Dos 17, meros dois pegaram times vencedores. Números patéticos, que me sugeriram a investigação dos eventuais casos assemelhados no Brasil. Obviamente, no esporte mais popular por aqui, o também além de centenário Futebol.

Os pioneiros "mulatinhos rosados" do Bangu
Os pioneiros "mulatinhos rosados" do Bangu Os pioneiros "mulatinhos rosados" do Bangu

Obra do jornalista Mário Leite Rodrigues Filho (1908-1966), irmão do teatrólogo e escritor Nélson Rodrigues (1912-1980), o Mário Filho que virou nome do Estádio do Maracanã, o livro “O Negro no Futebol Brasileiro” se tornou o maior clássico da literatura do esporte no País. O texto de Mário Filho recorda que, no início do Ludopédio por aqui, era tão intenso o racismo que, em 1907, vetada a escalação do seu atleta Francisco Carregal, um astro do seu plantel desde 1905, o carioca Bangu preferiu romper com a então federação metropolitana, a humilhar o rapaz. Só em 1911, de volta às liças, mas na Segunda Divisão, e graças ao apoio de ingleses que administravam a fábrica de tecidos proprietária do time, o Bangu pôde misturar “aos claros, os seus mulatinhos rosados”, e não apenas no seu elenco. Auspiciosamente providenciou a integração, provocativamente, nas suas arquibancadas.

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Gentil Cardoso
Gentil Cardoso Gentil Cardoso

Efetivos, sem contar os interinos e os simples integrantes de alguma comissão técnica, desde Ferreira Vianna Netto (Campeonato Sul-Americano de 1921) até o atual Tite, o Adenor Leonardo Bachi, no posto desde 1º de Setembro de 2016, a seleção brasileira teve 58 treinadores. Somente um único “de cor”, assim se dizia naquela época, Gentil Alves Cardoso (1906-1970), personagem especialíssimo, um frasista de antologia. Por exemplo: “Se a bola é feita de couro, se o couro vem da vaca, se a vaca come capim, então a bola gosta de rolar na grama e não de ficar lá por cima; portanto, meus filhinhos, vamos jogar com ela no chão". Ou ainda: “Quem se desloca recebe, e quem pede tem preferência.” Apesar do seu humor permanente e da sua eficiência como estrategista, Gentil dirigiu a seleção em cinco pugnas de um insignificante torneio continental extra no Equador, e assim mesmo com um combinado de clubes de Pernambuco. O Brasil perdeu. E a seleção principal, de Vicente Ítalo Feola, também perdeu o Sul-Americano de fato, no mesmo ano, na Argentina.

Didi, com Carlos Alberto Torres, depois de Brasil 4 X 2 Peru na Copa de 70
Didi, com Carlos Alberto Torres, depois de Brasil 4 X 2 Peru na Copa de 70 Didi, com Carlos Alberto Torres, depois de Brasil 4 X 2 Peru na Copa de 70

Por quê Gentil Cardoso não mereceu outras chances? Ele tinha suas respostas a dar, na dependência da sua veneta. A engraçada: "Só me chamam pra enterro, ninguém me convida pra comer bolo de noiva”. E a cruel: “Só não me chamam porque eu sou preto”. Ironicamente, houve um brasileiro, negro, OK, afro-descendente, que até disputou uma Copa do Mundo como treinador: Waldir Pereira, ou Didi (1928-2001), a quem Nelson Rodrigues apelidou de “Príncipe Etíope” e a quem a mídia da Europa batizou de “Mr. Football”. Um estupendo meio-campista, campeão na Suécia/58 e no Chile/62, super-craque do Fluminense e do Botafogo, 75 partidas e 21 gols com a “Canarinho”, ao dependurar as chuteiras Didi se tornou um treinador no Peru e conseguiu a maravilha de superar a Argentina, nas eliminatórias do México/70.

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Aliou Cissé, ex-craque, treinador do Senegal na Copa da Rússia, em 2018
Aliou Cissé, ex-craque, treinador do Senegal na Copa da Rússia, em 2018 Aliou Cissé, ex-craque, treinador do Senegal na Copa da Rússia, em 2018

Cobri aquela competição pela revista “Veja” e relembro, melancolicamente, a sua reação quando o Brasil venceu o Peru, por 4 X 2, a caminho do tri e da posse definitiva da Copa Jules Rimet: “Ninguém jamais saberá como é difícil você enfrentar a seleção que ajudou a ganhar dois títulos, e daí ser obrigado a lutar para que ela não some o terceiro e leve a taça de vez “. De todo modo, em 70, o Peru pôde se envaidecer da sua melhor performance nas cinco vezes em que esteve no Mundial. Enquanto isso, a “Canarinho” continua à espera de que um afro-brasileiro, e ex-atleta, preferivelmente já experimentado em Copa, ocupe o seu comando em competição futura. Aliás, será uma façanha soberana. À parte Frank Rijkaard, que fracassou na sua “Laranja Mecânica”, só um negro foi atleta e treinador na história do Mundial. E foi um africano, mesmo, da África, mesmo, Aliou Cissé, volante de Senegal na Copa da Coréia e do Japão, em 2002, e o chefe da comissão técnica na Rússia/2018.

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