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Atualização: já faleceu a Superliga absurda dos tais doze milionários.

Em 48 horas de reações veementes, degringolou o projeto de campeonato que eterniza os clubes mais ricos e trai a meritocracia. Não funcionou sequer como um instrumento de chantagem.

Silvio Lancellotti|Do R7 e Sílvio Lancellotti

Uma ironia que rapidamente viralizou nas "redes sociais" de torcedores na Europa
Uma ironia que rapidamente viralizou nas "redes sociais" de torcedores na Europa Uma ironia que rapidamente viralizou nas "redes sociais" de torcedores na Europa

Durou menos de 48 horas a desventura da Superliga da Europa. Os responsáveis pelos doze clubes que toparam a maluquice de criar, do nada, sem nenhuma pesquisa e sem qualquer consulta, uma entidade de abastados, não imaginavam que seriam imediatas, e brutais, as reações provenientes de todos os lados, da Mídia aos seus fãs de plantão. Sedes cercadas, manifestos enfezados, protestos inclusive de ex-jogadores, de atletas ainda em ação, e a negativa de adesão de ícones como o Bayern Muenchen da Alemanha e como o PSG da França, que se recusaram a navegar os seus barcos através de mares bravios. Uma lamuriosa e patética Nota Oficial serviu para sepultar aquela que mal acabara de nascer.

Protesto de torcedores, em Londres
Protesto de torcedores, em Londres Protesto de torcedores, em Londres

Nesta terça-feira, dia 20 de Abril, Florentino Perez, do Real Madrid, monarca da Superliga, considerou conveniente convocar uma reunião de emergência que se encerrou, às 23h30 do Velho Continente, atazanada por uma defecção: ausente o Manchester City, o primeiro a debandar. Dos outros cinco britânicos que aceitaram a reunião, sob a liderança do Chelsea, todos informaram a intenção de fugir do projeto. Consta, até, que acionistas da Juventus solicitaram a demissão de Andrea Agnelli, o seu presidente e o vice de Perez. Pois é. Não se atiça a paixão popular. Os doze cartolas metidos a deuses na Superliga deveriam examinar a História. Veriam que não há como se transformar um círculo em um quadrado.

Faixa de torcedores da Juve diante do Allianz Stadium da "Senhora"
Faixa de torcedores da Juve diante do Allianz Stadium da "Senhora" Faixa de torcedores da Juve diante do Allianz Stadium da "Senhora"

Em 1946, um empresário folclórico, de nome Alfonso Senior Quevedo (1912-2004), se apropriou de um time de Futebol idealizado nove anos antes por um grupo de estudantes de Bogotá, a capital da Colômbia, e decidiu revolucionar o Ludopédio em seu país e no planeta. Um herdeiro de mercadores cuja fortuna remontava aos idos dos bucaneiros de Curaçao, no Caribe, juntou um monte da dinheirama da família, fundou o clube Millionários e desandou a arrebanhar craques no Exterior. Da Argentina levou Néstor Rossi, Adolfo Pedernera e Ángel Labruna. Do Brasil, Heleno de Freitas. Isso, sem pagar um tostão às agremiações que então, por convenção, eram as detentoras dos seus contratos.

Dos ingleses, até pedido de desculpas
Dos ingleses, até pedido de desculpas Dos ingleses, até pedido de desculpas

Todos se divertiram muito. Alguns até fizeram robustos pés-de-meia. A festinha, no entanto, apenas perdurou até 1951, quando a FIFA vetou os acordos do Millionários e de Senior com os seus astros e os proibiu de atuarem nas seleções de suas pátrias. Numa época em que fermentava o doce desejo de levantar a Taça Jules Rimet, os atletas desistiram da brincadeira. Daí, em 1954, um pacto entre as partes restabeleceu a ordem de tal maneira que Senior se tornou presidente da federação colombiana, membro do Comitê Executivo da FIFA e, em 1986, num arroubo particularmente audacioso, tentou levar a seu país a Copa do Mundo que acabou organizada pelo México depois de o presidente Belisário Betancur, por absoluta carência de patrocínios, cortar na raiz a sua fantasia impossível.

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Não aos donos americanos do Liverpool, não à ganãncia do Fenway (Park, dos Boston Red Sox)
Não aos donos americanos do Liverpool, não à ganãncia do Fenway (Park, dos Boston Red Sox) Não aos donos americanos do Liverpool, não à ganãncia do Fenway (Park, dos Boston Red Sox)

A aventura de Senior e do Millionários me despontou da memória assim que eu soube da extemporânea criação da Superliga da Europa, idealização de doze agremiações de primeira linha no Futebol do Velho Continente. Dinheiro, ao menos, não parece que lhes faltará. Só a JP Morgan, a empresa líder entre as instituições financeiras do mundo, poderosa a ponto de viver permanentemente sob as lentes investigativas do FBI e da autoridade equivalente da Grã Bretanha, promete bancar a novidade com a preciosidade de R$ 25 bilhões no seu primeiro ano. Nada desprezível para clubes acuados desde Março de 2020 pela Covid-19 e pelas suas conseqüências, certames atrás de certames de estádios pateticamente vazios, e com a manutenção de salários, convenhamos, estelares.

Agnell, da Juventus, e Perez, do Real, o vice e o presidente da fracassada Superliga
Agnell, da Juventus, e Perez, do Real, o vice e o presidente da fracassada Superliga Agnell, da Juventus, e Perez, do Real, o vice e o presidente da fracassada Superliga

Óbvio ululante que os fundadores da Superliga têm o seu legítimo direito, num universo capitalista, de esperar por lucros, ou de não incorrer em prejuízos. Seria, todavia, este o momento adequado, um momento em que nações e governos se esmeram em salvar vidas ameaçadas por um vírus insidioso? Convenhamos, quem me lê que desculpe a repetição, por mais que necessitem de grana, talvez até de grana imediata, os clubes pisaram na bola, esmagaram o tomateiro. Inclusive porque o tal momento coincidiu, e isso não foi nada acidental, com uma reunião do Comitê Executivo da UEFA, programada já faz meses, na qual se oficializaria a reformulação, a modernização, das Copas organizadas pela entidade, a “Champions”, a Liga Europa e, inovação inusitada, uma terceira, a “Conference Cup”.

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Jogadores do Leeds Utd, "O Futebol é dos Fãs"
Jogadores do Leeds Utd, "O Futebol é dos Fãs" Jogadores do Leeds Utd, "O Futebol é dos Fãs"

Examinem-se, ainda, os perfis dos proprietários dos doze fundadores da Superliga. Três dos seis ingleses, Arsenal, Liverpool e Manchester United, têm donos norte-americanos. O Manchester City depende dos Emirados Árabes e o Chelsea ostenta em seu comando um oligarca soviético que recorreu a um passaporte israelense para se alojar na Inglaterra. O presidente do Tottenham vive nas Bahamas. Mais: dos três ibéricos, o Real Madrid e o Barcelona têm cartolas de fichas sujas e dois dos sócios do Atlético de Madrid já foram até presos. Dos três italianos, o Milan e a Internazionale têm donos orientais de origem duvidosa, de um deles não se conhecem, sequer, a data e o lugar do seu nascimento. Um único peninsular autêntico, Andrea “Fiat” Agnelli , o presidente da Juventus, em apenas 24 horas mereceu de colegas habitualmente discretos os apelidos de “traidor” e de “Judas”.

Uma amostra da veemente reação na Mídia da Inglaterra e da França
Uma amostra da veemente reação na Mídia da Inglaterra e da França Uma amostra da veemente reação na Mídia da Inglaterra e da França

Não creio que os encastelados senhores que tramaram o lançamento da Superliga em instante tão absurdamente inadequado tenham imaginado uma reação contrária tão veemente. Embora veloz, e superficial, um levantamento nas “redes sociais” atestou uma desaprovação quase que unânime, inclusive, dos torcedores dos doze. Não só pela data da divulgação como pelo contraste infame da celebração em relação às tensões emanadas da impiedade da pandemia. Parece incrível mas os fãs, em geral, e a totalidade da Mídia, se manifestaram solidários aos trocentos clubes que a Superliga optou por ignorar.

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O protesto dos fãs no estádio do Liverpool
O protesto dos fãs no estádio do Liverpool O protesto dos fãs no estádio do Liverpool

O seu projeto básico pressupõe um campeonato de vinte times: os doze fundadores e outros três igualmente ricos, que prometem se achegar depressa, e cinco tão ansiosos por abocanhar pedaços do bolo que toparão se submeter à humilhação de eliminatórias. Privilegiados, é claro, os fundadores se eternizarão, incólumes, sem, por exemplo, sofrer as ameaças do rebaixamento. Até a década de 50, pode acreditar, no Campeonato Paulista era assim. O saudoso Jabaquara, de Santos, um dos fundadores, podia perder todos os seus jogos numa determinada temporada que não caía, nunca, à divisão inferior.

Capa furiosa da "Gazzetta dello Sport"
Capa furiosa da "Gazzetta dello Sport" Capa furiosa da "Gazzetta dello Sport"

Ora, convenhamos, e eu juro que não mais reprisarei o verbo, não se admite tal estilo de grêmio fechado neste Século XXI. Os interesses de um bando de poucos não podem prevalecer sobre a meritocracia, e não podem, como enfatizou um Editorial furioso de “La Gazzetta dello Sport”, depauperar qualquer campeonato doméstico que funcione como um instrumento de promoção ao cenário internacional. É num campeonato doméstico que se entranham as fundações sociais e culturais de qualquer tipo de competição.

Aleksander Ceferin, agora um ex-compadre de Andrea Agnelli
Aleksander Ceferin, agora um ex-compadre de Andrea Agnelli Aleksander Ceferin, agora um ex-compadre de Andrea Agnelli

Com um pronunciamento cheio de amargura, Aleksander Ceferin, o presidente da UEFA, que é padrinho de uma filha de Andrea Agnelli, lastimou: “O Futebol oferece um tesouro de emoções. E, nesse tesouro, a jóia mais valiosa é aquela que simboliza o empenho de uma agremiação na luta para evoluir e ganhar no gramado, limpidamente, a sua vaga numa Champions.” Fique bem claro que não defendo a UEFA, a FIFA ou qualquer tipo de entidade monopolista. Mas abomino a pressão e a chantagem. Até acreditei que a Superliga cederia de um lado, a FIFA e a UEFA de outro, e que, além do bolo, os cartolas compartilhariam uma robusta pizza. Não aconteceu, todavia, qualquer espécie de pacificação hipócrita. O vigor dos torcedores impediu, Amizades se estilhaçaram. E, pior, embora a grotesca Nota Oficial da Superliga prometa uma nova versão, ahn, amaciada, os seus próceres, precipitados, se desmoralizaram. Ao menos, sorte deles, se pouparam de cometer um crime.

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