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Sérvio viveu guerra, ganhou mundo com polo e quer morar no Brasil

Slobodan Soro, de 42 anos, é goleiro da seleção brasileira e, após encerrar carreira, no fim do ano, quer morar no país

Olimpíadas|Eugenio Goussinsky, do R7

Slobodan Soro atualmente é o goleiro da equipe italiana da Lazio
Slobodan Soro atualmente é o goleiro da equipe italiana da Lazio Slobodan Soro atualmente é o goleiro da equipe italiana da Lazio

Nem sempre a identidade de alguém se liga apenas à sua nacionalidade. Quem nasceu na Iugoslávia sabe bem disso, como o goleiro de polo aquático, Slobodan Soro, de 42 anos. A fragmentação do país, onde nasceu como iugoslavo em 23 de dezembro de 1978, o fez se tornar sérvio, após as guerras de libertação da Croácia e da Bósnia e Herzegovina, além da província de Kosovo. Montenegro, Macedônia e Eslovênia também deixaram a confederação.

Mas, até a ainda Iugoslávia entrar na economia de mercado, Soro vivia uma infância tranquila, sem riquezas, mas com aconchego familiar em Novi Sad, a segunda maior cidade do país. Havia empregos, mas não mordomias. Pelas ruas, as brincadeiras de infância já eram acompanhadas do sonho em se tornar jogador de polo aquático, um esporte muito popular na região.

"Nasci e cresci em um país chamado Iugoslávia (que significa terra dos eslavos do sul). Um país socialista, família típica com três filhos, sou único dos irmãos que se dedicou somente ao esporte. Tive uma infância feliz e carrego boas recordações da época", contou ao R7, desde Roma, onde atua pela Lazio.

Durante todo o período comunista, o esporte se desenvolveu muito na Iugoslávia. Com investimentos estatais e prática na escola, os esportistas contribuíram para a inserção do país no cenário mundial, conquistando, por exemplo um total de 83 medalhas olímpicas entre os Jogos de 1920 e 1988.

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Ainda na adolescência, a vida de Soro mudou. Ele conheceu o drama da guerra e entendeu, também por causa do esporte, a importância da empatia e da tolerância. Sua família não seguiu a doutrina nacionalista do então presidente Slobodan Milosevic, que tinha como objetivo impor uma "Grande Sérvia" na região.

E, com coragem, a família de Soro acolheu refugiados durante as guerras separatistas nos anos 90. A dor maior foi quando a sua Novi Sad foi destruída pelos bombardeios da OTAN.

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"No começo da guerra, a maioria dos acontecimentos eram fora da Sérvia. O que me impactou como maior tragedia foi ver muitos refugiados, de todas as idades e sem condições. Minha família manteve em casa duas famílias nestas condições, uma da Bósnia e outra da Croácia. Mas, sem dúvida, o acontecimento mais marcante foi quando a OTAN bombardeou na minha cidade Novi Sad todas as três pontes no Rio Danúbio", lembra, com tristeza.

Esporte forte

Depois da separação, os países independentes herdaram esse alto nível de desempenho e se mantiveram competitivos. A Sérvia, no futebol, demonstrou um nível de médio para bom (campeã mundial sub-20 em 2015) e despontou como potência em vários outros esportes, como vôlei, tênis (Novak Djokovic), basquete (vários jogadores destes países atuam pela NBA) e polo aquático.

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"Comecei a treinar polo aquático com os amigos da escola. Ainda lembro das transmissões na televisão das finais Jogos Olímpicos e dos mundiais em que a Iugoslávia ganhava medalhas. Eu ficava torcendo pelo time, sabendo os nomes de todos os jogadores. Muitos deles viraram meus ídolos e são diretamente reesposáveis por eu escolher o polo aquático", lembra Soro.

Não demorou para a paixão se tornar uma profissão. Ele mesmo se tornou um ídolo do esporte nacional, passando a defender uma série de equipes, como o VK Vojvodina, VK Beograd, VK Bečej, VK Dinamo, PVK Jadran, VK Partizan, Rari Nantes Savona e CN Sabadell, na Europa.

Por sua formação em um ambiente tranquilo, voltado à família e à simplicidade, Soro aprendeu a ver o esporte como um reflexo dos melhores valores humanos: o fair-play, o companheirismo e o humanismo acompanhando sempre o desejo de superação e a competitividade.

Isso o ajudou a se tornar um jogador multicultural. Um cidadão do mundo: iugoslavo, sérvio e... brasileiro.

Tudo começou quando ele veio para o Brasil para atuar pelo Fluminense, em 2013. Na ocasião, Soro já era uma estrela do esporte, tendo conquistado duas medalhas olímpicas de bronze (em Pequim 2008 e em Londres 2012) e uma de ouro em Campeonato Mundial (Roma 2009).

Seleção brasileira

O estilo de vida e a abertura para a diversidade no Rio de Janeiro se encaixaram ao perfil de Soro, que em 2015 se naturalizou brasileiro. E passou a ser o goleiro da seleção de polo do Brasil. Claro que, para tanto, ele pesou suas expectativas dentro da carreira. Optou por encarar o desafio de defender uma equipe que, diferentemente da Sérvia, não é uma potência mundial.

"Depois dos Jogos Olímpicos em Londres 2012, eu já não fazia parte do próximo ciclo olímpico na seleção da Sérvia. No meu lugar foram colocados dois goleiros jovens que no Rio deveriam ter chegado na melhor forma. Fiquei um ano sem jogar para seleção quando então recebi convite do Brasil e decidi aceitar", contou.

O melhor resultado do Brasil em campeonatos mundiais foi o 10º lugar em 2015 em Kazan, Rússia. Em Olimpíadas, o melhor resultado foi o 6º lugar em 1920 em Antuérpia, Bélgica. A seleção só figurou no pódio internacional em 2015, quando foi bronze na Liga Mundial. Mas, entre 1984 e 2016, ficou fora da Olimpíada. Também não se classificou para os Jogos Olímpicos de Tóquio, a serem realizados em 2021.

Soro, no entanto, se mostra orgulhoso em defender o Brasil, oitavo colocado nos Jogos de 2016, quando ele foi o goleiro que fez o maior número de defesas da competição. Ele não vê a troca como um "mau negócio". Com humildade, se adaptou aos novos objetivos.

"Defendendo o Brasil joguei na Olimpíada do Rio e em dois mundiais, não era uma disputa por medalha, mesmo assim lutamos pelas melhores posições. Na minha opinião tivemos chance para conquistar algo mais no Rio de Janeiro, quando tínhamos um time melhor. Conseguimos a medalha nos jogos Pan-Americanos, dois ouros Sul-Americanos e duas Copas UANA e posso falar que estou satisfeito com os resultados jogando pelo Brasil", lembrou. 

Cidadão do Rio

O goleiro, ainda na seleção brasileira, conta que a pandemia também afetou muito o polo aquático italiano. Há constantes mudanças de calendário e paralisações de treinos por causa de testes positivos para a covid-19.

Experiente, ele vê potencial no polo aquático brasileiro.

"É verdade que se fala do mesmo esporte, mas tudo que acompanha polo aquático e distinto. Na Sérvia, o polo aquático tem tradição, tem resultados e tem popularidade(visibilidade) o que não é o caso no Brasil. Com certeza, na teoria, o polo aquático no Brasil pode estar no mesmo nível da Servia, mas é preciso muito trabalho, tempo (anos) e uma mudança na mentalidade, sistematização de trabalho dos técnicos e dirigentes nos cubes", disse.

Como Soro não esperava mais disputar Jogos Olímpicos pela Sérvia, o fato de não ter se classificado com o Brasil não lhe causou maiores frustrações. Ele viverá uma nova, e ao mesmo tempo antiga, experiência: a de ver os jogos pela TV. Como na infância.

"Participei das últimas três edições e será a primeira vez assistindo de casa depois um bom tempo. Desde criança adoro assistir Jogos Olímpicos. Com certeza, desta vez será diferente, mas a experiência de já ter participado de Jogos vai deixar minhas emoções mais fortes ainda", revelou.

Entre os seus planos, está o de voltar a morar no Rio de Janeiro, a cidade que ele considera mesmo maravilhosa, por sua riqueza cultural, paisagem e gastronomia. Ao final da temporada, ele planeja encerrar a carreira. 

"Já atuo há 31 anos no polo aquático e tudo indica que esse será meu último ano. Mas minha ideia é de continuar no esporte, ainda não sei de que forma, podendo ser como técnico ou alguma outra função. Existem algumas ofertas e espero que se concretizem", disse.

Nas entrelinhas, ele deixa aberta uma possibilidade de trabalhar para o desenvolvimento do polo aquático brasileiro.

"Depois de tanto tempo que morei no Brasil, pelo fato de ser naturalizado brasileiro e minha filha ter cidadania brasileira, só posso reafirmar que uma parte do meu coração se sente brasileira. Da minha parte existe a possibilidade real de voltar a morar no Brasil e espero que isto se realize. Estaria muito feliz pois considero o Rio de Janeiro minha segunda casa", completou o goleiro, mais um sérvio que, assim como o ex-futebolista Petkovic, se apaixonou pelo Brasil.

Brasil tem novos classificados para os Jogos Olímpicos. Confira a lista

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