Diretoria considera a torcida o maior patrimônio do clube
Ricardo Trida/Agência EstadoDentro de sua história, o São Paulo Futebol Clube vive um momento incomum. Para os conselheiros do clube foi uma novidade um presidente sair na imprensa expondo conflitos internos, como fez o atual mandatário há dois meses. Contrariou a velha calma tricolor em lidar com adversidades.
Mas agora, as adversidades estão bem maiores do que em outros tempos. Tanto é que, para a atual diretoria, a grande novidade, esta sim a superar qualquer crise já vista na instituição, foi tomar conhecimento real da enorme dívida que assola o clube, que sempre se notabilizou por ter confortáveis reservas de caixa, desde os anos 70.
Outros períodos difíceis já fizeram parte da história do São Paulo, como nos anos 40, quando acabara de ser refundado. Ou nos anos 60, por causa da construção do Morumbi e da ausência de títulos. Foram passos, no entanto, importantes para posteriormente aumentarem as receitas do clube que, gradativamente foi ganhando cada vez mais torcedores.
E a promessa do atual presidente Carlos Miguel Aidar, de cortar gastos, já está sendo colocada em prática. O clube está em um período em que funcionários estão sendo demitidos e alguns cargos extintos, para que, até o fim de 2015, as contas comecem a se equilibrar.
O gasto com o departamento de futebol, por exemplo, segundo a consultoria BDO, é o segundo maior entre os clubes brasileiros, chegando a R$ 248 milhões, sendo que R$ 10,5 milhões são destinados à folha de pagamento.
O vice-presidente de Patrimônio, Carlos Caboclo, 76 anos, que já atuou em várias administrações anteriores, afirma que os tempos estão difíceis, uma situação extremamente crítica, também impulsionada por todo o contexto econômico e futebolístico do país, com a qual o clube está aprendendo a lidar.
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— O presidente Aidar está conseguindo cortar gastos, de todas as maneiras possíveis e imagináveis. A cautela é a palavra do momento. Tudo está sendo analisado criteriosamente, inclusive por uma empresa contratada. Demissões e investimentos serão feitos de acordo com a necessidade e a viabilidade, em cada caso.
Em 10 de setembro último, em entrevista à Folha de S. Paulo, Aidar atacou a gestão do antecessor, seu então aliado, Juvenal Juvêncio. Aidar acusou Juvenal de oferecer benesses a conselheiros, ingressos em alta quantidade e viagens o que, segundo ele, arrasaram os cofres do clube.
Nos dois últimos anos de Juvenal no comando do clube, porém, houve superávit de R$ 826 mil em 2012 e de 23,5 milhões em 2013. A questão é que isso ocorreu muito em função da antecipação de receitas. Talvez Aidar tenha exagerado nas críticas, mas, mesmo com o superávit, a dívida são-paulina aumentou muito, passando de R$ 214 milhões para R$ 250 milhões.
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Aidar reclama que tem de pagar 2,3% de juros mensais e admite que vendas anteriores, como a de Lucas Evangelista e Douglas ajudam a cobrir o rombo. Para piorar, vários problemas aconteceram, como a interrupção do contrato com a Semp Toshiba em julho, que fez com que o clube não recebesse parcelas de R$ 2,5 milhões mensais, para o patrocínio master nas camisas. O déficit, então, voltou a assolar o clube em 2014.
Caboclo, que se reuniu com Aidar nesta quinta-feira (6), afirmou que a diretoria está priorizando revitalizar as categorias de base, para, em um curto prazo, ter jogadores valorizados no elenco, que poderão aliviar o caixa o quanto antes. Alguns já foram revelados nos últimos dois anos, mas a cúpula do clube exige que esta quantidade seja muito maior.
— Estamos em uma época atípica no clube. Quem tem juízo presta atenção nisso. Como diretor do clube, já vivi momentos em que o departamento de futebol amador tinha muito dinheiro. Hoje não é assim. Estamos como uma família em que dois de seus membros perderam empregos. É preciso segurar. E por outro lado, aprimorar o trabalho de base, sem crítica a ninguém especificamente, é fundamental. O São Paulo sempre foi o maior clube exportador de jogadores e isso foi importante para manter a saúde financeira da instituição.
Caboclo também disse que o trabalho de marketing já se tornou uma ferramenta habitual que ajudou a consolidar a marca do clube. Ele prevê êxito em novas campanhas em um prazo mais longo. Como prova disso, ele cita o crescimento expressivo da torcida do São Paulo nos últimos anos.
— Já nos anos 70 e 80 fazíamos um trabalho de marketing. Às vezes nem precisa ser por meio de investimentos milionários. Mas a mentalidade e ações promocionais podem ser decisivas. Eu já entreguei flores a mulheres que iam ao Morumbi, brindes a crianças, levava camisas nas viagens. O clube foi ampliando o alcance com atitudes como esta. Também fizemos um trabalho profissional para conquistar torcedores por todo o Brasil. No início muitos criticavam. Mas a torcida cresceu demais. E a torcida é o maior patrimônio do clube.
O São Paulo também quer fortalecer sua marca no exterior. Em abril último, inaugurou uma franquia na China, na região administrativa de Macau, onde muitos habitantes falam português, devido à colonização de Portugal. Quem representou o clube na cerimônia foi o próprio Caboclo.
— Elevar o nome do São Paulo no cenário internacional e em um mercado como o chinês também será uma maneira de aumentar as receitas no futuro.