A histórica comemoração do gol de André Catimba, no Gauchão de 1977
Reprodução/Site oficial/Grêmio - 03.06.2018“'Macaco! Macaco!'
'Você passa fome!'
Esse foi o tipo de coisa que ouvi nos seis meses em que joguei em Buenos Aires. O racismo era forte naquela época. Mas nunca levei desaforo para casa.
Respondia para eles: 'Quem passa fome são vocês. Na minha terra tem mais comida do que aqui.'
Enfrentei o racismo como jogador e como homem, pois sofria com isso não só nas ruas como nos restaurantes. Por isso, voltei para o Brasil. Não sabia que seria assim.
Também não imaginei que me tornaria jogador. Meus pais não deixavam que jogasse futebol durante a infância. Na época, jogar bola não dava dinheiro. Eu tinha que jogar escondido. [Eles] só começaram a aceitar quando o Ypiranga, meu primeiro clube, pagou meu salário e o colégio.
Foi depois dos meus 19 anos que comecei a jogar profissionalmente. A gente não tinha bola, material e estrutura para treinar. Então o time viajava todos os dias para treinar em um bairro do outro lado de Salvador, longe do clube. Mudei para o Galícia, onde fiquei dois anos, e depois para o Vitória, em 1971. Dali em diante, tudo mudou.
Fim da fila no Vitória
Foram anos de muita luta lá. No Leão, fui campeão pela primeira vez. O nosso ataque era muito bom: junto comigo, tinha o Osni e o Mário Sérgio, que infelizmente pegou aquele avião da Chapecoense.
O Vitória não ganhava o Campeonato Baiano desde 1965. No meu segundo ano no clube a gente faturou o título. A final era contra o Bahia, e eles tinham a vantagem do empate, mas não conseguiram. Vencemos os dois jogos do Ba-Vi e acabamos com a fila. Só que ainda tinha outra fila para eu acabar.
Grêmio, título histórico e comemoração 'dolorida'
Depois de ir para o Guarani - um baita time, aliás - e ficar uns meses em Campinas, fui para o Grêmio. Estava com 30 anos. Foi em 1977. O time estava há nove anos sem ganhar títulos.
Não era nem para ter final no Gauchão daquele ano (regulamento do campeonato só apontava uma final apenas se os times empatassem em pontos na última fase, o que aconteceu naquela edição). Mas foi como tinha que ser: enfrentamos o Inter e fiz o gol do fim da fila.
Foi uma sensação muito forte. Tão forte que fui dar o salto mortal e tive uma distensão na virilha. Caí de cara no chão. Acabei não podendo continuar. Acabou com 1 a 0 no placar e o gol do título foi meu.
Nosso técnico nesse ano foi o Telê [Santana]. Era rígido e correto como treinador. Procurava encontrar a virtude de cada um nas suas posições. Queria o que cada um tinha de melhor. Muito direto e perfeito. Um cara nota mil.
No Grêmio, ainda tive tempo de chegar na fase final do Gauchão nos dois anos seguintes. Em 78, não joguei a decisão e ficamos com o vice-campeonato. Em 79, fomos campeões de novo. Fiz um golaço de bicicleta naquele campeonato.
No Gaúcho de 1979, André Catimba marcou de bicicleta contra a Esportiva
Arquivo pessoal/André CatimbaFoi uma ótima passagem em Porto Alegre.
Racismo na Argentina
Aos 34 anos, fui jogar no Argentinos Juniors. Foram só seis meses. Não continuei por causa do racismo. Isso era muito forte por lá. Muito bravo mesmo.
Nos bares e restaurantes, deixavam para me atender por último pela cor da minha pele e minha origem.
Jornal argentino apresenta André Catimba aos torcedores locais
Arquivo pessoalApesar disso, foram seis meses legais, e pude jogar com [Diego] Maradona. Ele tinha só 19 anos. Era um menino muito brigador, lutador. Sempre teve muita vontade.
Nós nascemos no mesmo dia e mês (30 de outubro). E, no dia do meu aniversário, em 1980, ele me deu um relógio da Cartier de presente. Não me esqueço disso.
Ele gostava muito da noite. Ia em boates. Gostava de dançar. Mas era consciente. Ia para o campo para decidir os jogos.
Quando sofria com o racismo, ele brigava junto, mas muitas vezes tinha que resolver depois dos jogos. Ele não queria ser expulso.
Mas também não era só no futebol. O racismo estava em todos lugares.
Fim da carreira e aposentadoria
Ainda joguei por vários Estados depois desses seis meses na Argentina: São Paulo, Pernambuco, Amazonas e na Bahia mesmo. Quase joguei até os 40 anos. Tive uma carreira muito longa e prazerosa. Mas chega um momento em que a gente tem que saber parar.
Depois de me aposentar do futebol, fui taxista. Mas em 1992 roubaram meu táxi. Queria juntar um dinheiro a mais para ajudar em casa. Era bem tranquilo, mas depois de ter sido roubado não quis mais trabalhar com isso.
Tinha direito a uma aposentadoria especial de atleta em 1986, mas não dei entrada e quis somar tempo para ganhar um pouco mais. Em 1998 o presidente FHC (Fernando Henrique Cardoso) acabou com a aposentadoria dos jogadores. Fiquei sem o dinheiro. Ficou só a sensação de impunidade.
André Catimba, junto do neto André Lucas e dos filhos Ana e André
Arquivo pessoalHoje eu moro em Salvador e estou sempre perto dos meus filhos, a Ana e o André. Ele não quis ser jogador como fui, mas que ele podia, podia."