Wladimir é um dos ídolos do clube
Agência EstadoCom o objetivo de dar voz à comunidade negra, presente nas arquibancadas e com representantes entre alguns dos principais ídolos do clube, o Corinthians estreia no próximo dia 2 de março o programa semanal Afro Timão. A atração será veiculada pela Corinthians TV, acessada por meio do site do clube.
Com duração de 30 minutos, o programa será apresentado pelo jornalista Wagner Prado, de 58 anos, um profissional negro que, ao longo dos anos, foi se percebendo, cada vez mais, a importância de se conscientizar sobre as sutilezas e injustiças do preconceito.
O que o mobilizou foi o objetivo de abrir espaço para a participação dos negros não apenas no Dia da Consciência Negra ou no dia da Abolição da Escravatura.
"Nestas datas sempre se vê pessoas da comunidade negra falando sobre vários temas, principalmente a questão racial. Mas elas também podem falar sobre artes, filosofia, medicina, esportes, entre outros temas, além da questão racial, fora desses períodos. Daí a ideia do programa. No Brasil, há negros proeminentes em várias áreas, que não ocupam espaço na grande mídia."
Herança negra
No Brasil, o abismo social entre negros e brancos muitas vezes foi preenchido por um campo de futebol. O caráter democrático do esporte permitiu certa integração de todos os setores da sociedade, que, deixando de lado um preconceito ainda vigente, se irmanavam com as chuteiras em torno de um objetivo: jogar pelo coletivo e pela própria identidade. O Corinthians é um dos exemplos desse fenômeno.
O clube foi um dos primeiros que abraçaram a comunidade negra com maior intensidade, desde o início do século passado. Em 1919, Bingo foi o primeiro jogador negro a defender um grande da capital paulista.
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Mas o clube, por sua penetração junto às camadas mais pobres, acabou se tornando um símbolo social, além do futebol. E palco onde jogadores como Brandão, Zé Maria, Basílio, Wladimir e Jô se tornaram ídolos, se misturando à própria história da instituição.
Voz da comunidade
O programa Afro Timão não será totalmente voltado aos Esportes, o que torna o Corinthians, novamente, uma plataforma social que vai além do futebol. O clube já promoveu, recentemente, campanhas de cunho social. Em 2017, lançou o "Respeite as mina", como forma de dar apoio ao empoderamento feminino. No ano passado, defendeu a integração dos refugiados que chegavam ao Brasil.
Prado, que além de apresentar irá produzir o programa, sabe que terá de lidar com a resistência de setores da sociedade que criticam esse tipo de projeto.
"Sei onde estou pisando, nem todo mundo vai aceitar a iniciativa, já ouvi afirmações que chegaram ao extremo de dizer que isso é uma forma de racismo, promovendo a desiguladade. Mas não vejo a pessoa me falar em racismo quando ela, o ano inteiro, liga a TV e quase não vê na tela a participação de negros."
Ele ressalta que o programa busca apenas dar voz a uma população pouco ouvida, mesmo em um país que conta com uma ampla diversidade cultural como o Brasil.
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"Desde a infância e a juventude via programas como Mosaico na TV, voltado à comunidade judaica; Caravela da Saudade, da comunidade portuguesa; Japan Pop Show, dos japoneses, que não têm nenhum cunho racista e nunca vi alguém criticar. O Afro Timão tem a mesma intenção, a de ser direcionado a uma comunidade específica."
O centroavante Gustagol (à esq.) artilheiro e ídolo do Corinthians
Daniel Augusto Jr./Agência CorinthiansÍdolos negros do Brasil
Prado afirma que existe uma ligação histórica do Corinthians com a comunidade negra desde a fundação do clube, em 1910, época em que São Paulo iniciava um período de industrialização.
"A comunidade negra acabou abraçando o Corinthians dentro de um período de transição, em que a classe operária começava a crescer na cidade, em função da industrialização. E o Corinthians era um clube que nasceu com a participação das classes operárias."
O mesmo vale, segundo ele, para o futebol brasileiro. Neste esporte, o negro acabou tendo mais espaço, em um país ainda desigual.
"O futebol brasileiro tem uma forte ligação com o negro, por ser ligado às camadas de menor poder aquisitivo, de onde surgiram muitos craques. É um esporte acessível e barato. Apesar do crescimento dos empreendimentos imobiliários, tirando espaço da várzea, ainda é praticado nas periferias, principalmente das zonas leste e sul de São Paulo."
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A consagração de muitos negros no futebol, porém, pode se manter apenas como uma ilusão de superação do racismo, segundo Prado. Os ídolos negros, para ele, não podem perder jamais a própria identidade. Caso contrário, deixarão de contribuir para que a exclusão social dos negros seja definitivamente superada.
"Ser negro não é apenas ter a pele escura, fisicamente. É preciso ter atitudes de negro, reconhecer o que é ser negro e praticar sua negritude com liberdade e consciência. É servir como espelho para a juventude negra, para ajudá-la a se desenvolver com o orgulho da própria identidade."
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