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Presença de familiares de jogadores pode fazer a diferença na Copa 2018

Pela primeira vez, familiares e jogadores estão hospedados no mesmo local; especialistas afirmam que isso vai se refletir na saúde mental dos atletas

Copa 2018|Deborah Giannini, do R7

Liam, de 2 anos, abraça o pai, o lateral Marcelo, em treino em Sochi, na Rússia
Liam, de 2 anos, abraça o pai, o lateral Marcelo, em treino em Sochi, na Rússia Liam, de 2 anos, abraça o pai, o lateral Marcelo, em treino em Sochi, na Rússia

Familiares e jogadores hospedados no mesmo local, algo inédito na história da seleção brasileira, ocorre nesta Copa, na Rússia, e os especialistas afirmam que isso pode fazer a diferença na saúde mental dos atletas.

Mesmo expondo os jogadores a riscos de DRs (discussão da relação) e outros barracos em véspera de jogo, a iniciativa promovida pelo técnico Tite, é vista como positiva e como uma quebra de regra cultural brasileira por psicólogos ligados ao esporte.

O psicólogo Murilo Calafange, secretário-executivo da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, explica que, embora já banida em países europeus, a concentração no Brasil - isolamento dos jogadores 24 horas antes de uma partida - existe devido à realidade do país para prevenir que questões como bebedeira e problemas domésticos interfiram no rendimento do atleta.

"Antigamente, os jogadores ficavam na concentração, isolados do meio social, só preocupados com seu rendimento. Esquecia-se de que se tratavam de seres humanos, que sofrem e sentem saudade. Por muitos anos, achava-se que os atletas eram máquinas e que a parte emocional não era importante. E o que acontecia? Eles fugiam da concentração", afirma.

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Para a psicóloga Kátia Rúbio, professora da Faculdade de Educação Física e Esporte da USP, é a "farra" e não a presença da família, mesmo com todas as suas complexidades, que pode levar um jogador à ruína em campo. "Tudo o que tira o atleta da rotina, como farra, noitada e bebedeira, faz seu rendimento cair", explica.

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Segundo ela, o sexo antes da partida - outro tabu quebrado pelo Tite, que deu essa liberdade aos jogadores - não influi na performance do futebol. "Há quem se sinta muito mais relaxado depois de uma relação sexual, dorme melhor, acorda feliz. O sexo pode ser um promotor de bem-estar junto com outras coisas que vem com ele, como a sensação de acolhimento e de pertencimento e a sensação de amor, que, no limite, é o que mobiliza o ser humano”, diz.

Nadine, mãe de Neymar, está com ele na Rússia
Nadine, mãe de Neymar, está com ele na Rússia Nadine, mãe de Neymar, está com ele na Rússia

O psicólogo acredita que a presença da religião dentro do futebol - segundo ele, cerca de 70% são evangélicos - mudou o perfil dos jogadores, principalmente em relação à valorização da família. 

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Mas, mesmo colocando a família em primeiro lugar, brigas de casal e desavenças com cunhados, por exemplo, são “cenas possíveis” no palácio de Sochi, o resort no Swissôtel Resort Sochi Kamelia, onde todos estão hospedados, de acordo com Kátia. Embora estejam em instalações separadas, há convívio entre jogadores e familiares.

Ela ressalta que, caso os atletas tenham a atenção desfocada por questões dessa natureza – “tretas de família” – certamente terão o rendimento comprometido. "Se a ideia é proporcionar bem-estar que a companhia de uma relação saudável proporciona, a presença da família é perfeita. O problema é levar uma esposa que não tem entendimento da noção de privacidade, de companheirismo, de apoio que o marido está precisando naquele momento. Aí isso se torna um estorvo", diz.

"Não sei quantas dessas esposas têm habilidade social para estar em um grupo grande e heterogêneo, como deve ser o grupo de esposas", completa.

Como exemplo positivo, Kátia cita a presença das esposas da seleção inglesa, entre elas, Victoria Beckham, na Copa da Alemanha em 2006. "Era uma festa, mas elas foram instruídas a fazer aquele papel".

No caso do Brasil, nesta Copa, ela acredita que não seja diferente. "Sou levada a crer que essas famílias foram instruídas a ter uma atitude positiva, inclusive com um contrato verbal de que, se isso não acontecer, está todo mundo fora", afirma.

"Acredito que essas famílias foram instruídas a ter uma atitude positiva%2C inclusive com um contrato verbal de que%2C se isso não acontecer%2C está todo mundo fora"

(Kátia Rúbio, psicóloga)

A psicóloga explica que os perfis das famílias provavelmente foram analisados pelo técnico Tite antes de serem recebidas em Sochi. "Deve ter analisado quais relacionamentos são saudáveis e quais não são. Lembrando que ele liberou a presença daquelas que tivessem desejo de estar lá, não é algo compulsório", diz.

Sobre o treinamento que as esposas devem ter recebido, Kátia explica que ele geralmente é realizado de acordo com os recursos emocionais que a pessoa dispõe. "São mulheres muito heterogêneas. É preciso todo um entendimento de que mulher é essa, que recursos que ela dispõem e que tipo de relação ela tem com o marido para poder, a partir disso, dar as instruções necessárias para uma relação saudável lá dentro da concentração."

Ela explica que as esposas podem ser um elemento a mais de organização da comunicação entre o atleta e a função que ele exerce. "Isso não é um dado natural, espontâneo. Deve ser orientado".

Calafange ressalta que a família pode representar um estorvo ou porto seguro de acordo com a relação que o jogador tem com ela. "Depois do fatídico 7 a 1, um jogador não vai querer ao lado dele alguém que pode lhe trazer problema. O que ele precisa é de uma pessoa que o apoie mesmo que seja vaiado por um estádio inteiro", diz.

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(Murilo Calafange)

Tédio, angústia e solidão

De acordo com os especialistas, as principais queixas dos jogadores durante concentrações são tédio, angústia e solidão. A proximidade de entes queridos supriria essa lacuna, sentida principalmente nos momentos em que os jogadores não estão treinando. "Nesses momentos da concentração em que eles não fazem nada, eles fariam nada com alguém que traz esse preenchimento pelo distanciamento de casa", diz Kátia.

Calafange, que também é psicólogo da categoria de base de Sport Recife, explica que os jogadores de futebol, em sua grande maioria, são introduzidos ao esporte pelos familiares e acompanhados por eles por toda a carreira. Portanto, esse tipo de estímulo seria uma espécie de combustível para levá-los para frente.

"Dos 23 atletas que hoje estão na seleção 19 começaram pelo futsal. Quem é que levava essas crianças para o futsal? Seus pais", explica.

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"Tem um nadador, Tiago Pereira, que dizia que, quando tirava a cabeça da água, escutava o grito da mãe, que o ajudava, sempre o ajudou. Então é isso", completa.

Para ele, a questão de como o atleta vai lidar com a presença dos familiares não está ligada à pessoa – ou seja, se é a esposa, o pai ou a mãe -, mas sim a um fator interno, de como ele gerencia suas próprias emoções.

"Não é a presença da família que vai ajudar ou atrapalhar, mas sim a relação que ele tem com suas próprias emoções que poderá transformar isso em algo potencialmente positivo. Vai depender do atleta e não da família", explica.

De acordo com Calafange, quem consegue lidar melhor com isso são aqueles que apresentam maior capacidade de resiliência. Ele explica que o grau dessa resiliência vai depender do meio social no qual o jogador foi criado. "Se teve muito mais fatores de proteção na vida, mais forte será sua capacidade de resiliência, ou seja, vai passar pelas dificuldades de forma mais tranquila", diz.

Segundo o psicólogo, resiliência consiste na capacidade de enfrentar dificuldades. “Em vez de paralisá-lo, a dificuldade o impulsiona para uma mudança positiva. Ele a encara como um aprendizado que o fará evoluir. É a capacidade de aguentar pressão. O que parece um transtorno, um problema, na verdade o fortalece e o deixa mais sábio para escolhas futuras", afirma.

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